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Arco de boca

O arco de boca é um arco musical (um bastão com as duas extremidades flexíveis), cuja única corda é feita com material diferente do bastão, ou seja, é um cordofone simples heterocorde e monocorde, sem caixa de ressonância e nó de afinação.
publicado: 20/03/2021 20h00, última modificação: 29/08/2021 22h44
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Arco-de-boca Iridinam dos Ikolen Gavião

Arco de boca s. m. O arco de boca é um arco musical (um bastão com as duas extremidades flexíveis), cuja única corda é feita com material diferente do bastão, ou seja, é um cordofone simples heterocorde e monocorde. Não possui caixa de ressonância, e a boca do próprio instrumentista exerce essa função ao ser encostada no instrumento durante seu uso. Não possui nó de afinação. Essas características nos possibilitam classificá-lo, através do sistema de classificação de Hornbostel-Sachs atualizado pelo projeto MIMO (2014),  como 311.121.11.

A origem deste instrumento nao é consensual entre os estudiosos, mas existem indícios que apontam para a Ásia, pois consta em ilustraçoes chinesas datadas do século IV a.C.. A presença do instrumento também foi encontrada em toda a América do Sul, segundo a musicista Buffy Sainte Marie. (PUCCI; ALMEIDA, 2017, p. 166) Sobre a origem destes, Edgardo Civallero destaca algumas diferenças:

Suas origens são ainda muito debatidas; em geral, acredita-se que os arcos de boca friccionados (com outro arco ou uma vareta) e alguns dos pequenos arcos de boca percutidos ou beliscados são de origem indígena, enquanto que os arcos de boca maiores e aqueles que contam com ressonadores de cabaça ou similares seriam de origem africana ou estariam inspirados neles (2021, p.11)

Entre os povos indígenas no Brasil, encontramos a presença em algumas etnias, como os Kaingang, as Ikolen Gaviao, Os Kulina, e os Guarani Kaiowá, conforme Almeida e Pucci detalham:

No Brasil, são raros os povos indígenas que utilizam esse arco: os Kaingang, do Rio Grande do Sul, tocam o vyjsi (uãixim); as mulheres Ikolen Gavião , de Rondônia, o iríri náv (ou iridinap) para fazer declarações de amor; os Kulina, do Alto Purus, o jijiti, usado pelos xamãs para falar com os espíritos; e, por fim, os Guarani Kaiowá, o guira pa’i, instrumento musical de dois arcos, de cerca de 20 centímetros, tocados um no outro para acompanhar cantos xamânicos. (PUCCI; ALMEIDA, 2017, p. 166)

O arco Iríri Náv (ou iridinap) das mulheres Ikolen Gavião é um conjunto de dois pequenos arcos que sao friccionados, e é considerado um instrumento “cantante”, ou seja, um instrumento que tem uma forte relação com a letra cantada das melodias que executa, e que busca de certa forma imitá-la. Embora a letra seja um recurso de aprendizado da melodia e sirva como base para o aprendizado para o toque do arco, nao é apresentada junto a ele. No entanto, seu significado acompanha a música e suas praticantes implicitamente. Isso também ocorre com outros instrumentos dos Gaviao, também ditos “cantantes”, como uma flauta de bambu, chamada Kotiráp, e um conjunto de tres tabocas de bambu de tipo clarinete amazonense, chamado Totoráp, (tocado por tres pessoas simultaneamente) (MEYER; MOORE; 2013).

Sobre outro tipo de arco de boca, Kay Shaffer apresenta um exemplo que afirma ter sido muito comum no Brasil, o qual possuía uma “grande extensão e flexibilidade”, a julgar pelo repertório da tocadora de Sergipe; esta tinha 73 anos e apresentou um instrumento que era de seu falecido irmão, executando “parte do Hino Nacional e muitas outras canções e músicas populares”. Sobre o material do instrumento e a forma de tocá-lo, seria a “mesma maneira” que pastores africanos praticariam com instrumento semelhante:

[...] consistiu de um arco de qualquer madeira flexível de mais ou menos um metro de comprimento, uma corda de cipó-de-imbé (Philodendron spp), uma varinha de madeira para bater na corda e uma faca para modificar o som.[...]O instrumento é posto no ombro esquerdo. Com a mão esquerda, segura-se o berimbau e também a faca com que as notas são modificadas. Com a mão direita, segura-se a vareta com que a corda é batida para produzir o som. A cabeça do tocador é virada para o lado esquerdo, e a corda passa entre os lábios, agindo a boca como caixa de ressonância. As modificações no som são produzidas de acordo com a posição ou forma dos lábios, da boca e da faca em contato com a corda. A corda nunca é segura pelos dentes. (SHAFFER, 1977, p. 13)




Referências:

Ficha Catalográfica

ANDRADE, Mário de. Dicionário Musical Brasileiro. Coordenação Oneyda Alvarenga, 1982-84, Flávia Camargo Toni, 1984-89 - Belo Horizonte: Itatiaia; [Brasília, DF] : Ministério da Cultura; São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1989. (Coleção Reconquista do Brasil, 2. série; v. 162)

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo. Ediouro. 10 ed.

CIVALLERO, Edgardo. Arcos musicales de América del Sur. Bogotá : Wayrachaki editora, 2021, c2014. 

ERMEL, Priscilla Barrak. O arco e a lira. São Paulo: Laboratório de Som e Imagem em Antropologia, 2001. Disponível em: <https://vimeo.com/60457692> Acessado em 15/03/2021.

MEYER, Julien; MOORE, Denny. Arte verbal e música na língua Gavião de Rondônia: metodologia para estudar e documentar a fala tocada com instrumentos musicais. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 8, n. 2, p. 307-324, maio-ago. 2013. Disponivel em: <https://www.scielo.br/pdf/bgoeldi/v8n2/06.pdf> (Acesso em 01/03/2021)

PUCCI, Magda; ALMEIDA, Berenice. Cantos da floresta: iniciação ao universo musical indígena. São Paulo: Peirópolis, 2017.

SHAFFER, Kay. O Berimbau de barriga e seus toques. Rio de Janeiro: MEC, 1977.