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Professora da UFPB publica tradução de obra da literatura utópica inglesa
A professora do Departamento de História do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Carla Mary Oliveira publicou, no último mês de agosto, A ilha dos Pines, primeira tradução completa e comentada, em língua portuguesa, da obra de literatura utópica inglesa The Isle of Pines: A Late Discovery of a Fourth Island near Terra Australis Incognita (1668), de Henry Neville.
“É um texto utópico por fazer parte dessa tradição literária inglesa do século XVII, que seguia o modelo instituído por Thomas More com sua Utopia, mais de cem anos antes: uma terra imaginária, com um governo idealizado, sendo descrita por um viajante numa narrativa de retorno, após conhecê-la. Normalmente esses textos trazem críticas veladas aos governos de sua época. No caso, Neville atacava o monarca inglês da época, Charles II”, explica Carla Mary Oliveira.
O panfleto foi publicado em Londres, em três edições consecutivas, no espaço de um mês, nos dias 27 de junho e 22 e 27 de julho daquele ano [1668], e representa, ao lado de ser a última obra da literatura utópica inglesa publicada no século XVII, uma crítica satírica à política da Restauração dos Stuart, especialmente na figura de Charles II.
A professora da UFPB conta que isso [edições consecutivas] era muito comum entre os séculos XV e XIX, pois esse tipo de textos quase sempre eram obras em construção, ainda mais quando tinham críticas políticas veladas, como é o caso. “Os panfletos eram vendidos em feiras, mercados, tabernas, circulavam clandestinamente, daí as novas intervenções no texto e novas impressões à medida que faziam sucesso”, esclarece.
Segundo Carla Mary Oliveira, a Restauração dos Stuart foi a volta da monarquia na Inglaterra, iniciada em 1660, após o período da experiência republicana sob o Protetorado, tendo Oliver Cromwell à frente do governo e, por um curto período, seu filho Richard, entre 1653 e 1659. Se usa o termo “Restauração” para definir o período englobado pelo reinado de Charles II, que foi de 1660 a 1685, e de seu irmão James II, que reinou de 1685 a 1688.
A professora da UFPB pontua também que, na História do Livro e da Leitura, se usa o termo panfleto para designar os textos impressos, a partir do século XV, de dimensões menores que os livros e que circulavam sem serem encadernados. Usualmente, eram libelos difamatórios, escritos em sentido satírico ou até mesmo violento, especialmente quando tratavam de assuntos políticos, e foram muito comuns até começo do século XX.
Além de hoje ser considerado um texto precursor das robinsonades e ter inspirado Daniel Defoe em seu Robinson Crusoe, The Isle of Pines foi publicado sob autoria fictícia, pois Henry Neville, seu autor, era um republicano e fez parte do parlamento no período da Revolução Inglesa.
“Há referências satíricas à vida sexual de Charles II e críticas a seu governo e ao conflito com os holandeses. Ele adotou o nome Henry Cornelius Van Sloetten, um marinheiro holandês fictício. Henry Neville tinha receio de ser preso, por conta do tom satírico e crítico do texto, e pelo fato de ter feito parte do parlamento no período do Protetorado”, ressalta Carla Mary Oliveira.
Conforme a docente da UFPB, robinsonade é um gênero literário que recebe o nome do romance Robinson Crusoe, de 1719, ou seja, narrativas sobre náufragos que conseguem sobreviver e reinventar a civilização numa ilha deserta. Todos os elementos presentes no romance de Defoe estão em The Isle of Pines, e se acredita que ele possivelmente leu o panfleto, devido a essa coincidência.
Especificamente sobre a tradução, Carla Mary Oliveira diz que pretendeu, a partir de um projeto de tradução que visava respeitar a tradição discursiva dos relatos de viagem do século XVII, bem como o universo da literatura utópica da mesma época, aproximar o texto de chegada das narrativas similares existentes em língua portuguesa, preservando um estilo de prosódia mais próximo ao praticado no Brasil colonial.
Nesse sentido, foi privilegiado o texto original e sua equivalência mais próxima no texto traduzido. Como resultado, apresenta-se uma tradução de The Isle of Pines que certamente não é um texto com o português do século XVII, mas também não soa como um texto do século XXI, pois procura manter a historicidade de 354 anos do texto original.
“Foi utilizada uma terminologia próxima à encontrada em narrativas como aquela presente nos relatos de viajantes e missionários que descrevem o Brasil no período colonial, em português, nos séculos XVII e XVIII. Textos de chegada é um termo da área de tradução, é o texto traduzido. Exemplos dessas narrativas similares são as cartas dos jesuítas, por exemplo, narrando os hábitos dos indígenas, os documentos coloniais em geral”, afirma a pesquisadora.
Carla Mary Oliveira observa que o estilo de prosódia praticado no Brasil colonial é a escrita característica dos séculos XVI a XVIII, muito diferente da que praticamos hoje e, em alguns casos, até quase incompreensível, para o leitor comum, quando se trata de documentos oficiais, por exemplo.
A única outra tradução conhecida em língua portuguesa de The Isle of Pines é de 1761 e foi feita em Lisboa, a partir de uma versão parcial para o francês, publicada nos Países Baixos ainda no século XVII. O título da tradução é exatamente este: “Relação de hum famoso descobrimento da Ilha Pinés, e casamento de hum homem com quatro mulheres e o quanto produzirão em tão pouco tempo”.
“O texto de Henry Neville é considerado, hoje, uma obra de relevância igual à Utopia (1516), de Thomas More, e Nova Atlântida (1627), de Francis Bacon, dentro dos Estudos Utópicos. Sua tradução no Brasil amplia a possibilidade de acesso à The Isle of Pines, aos pesquisadores das áreas de História Moderna e de Literatura Inglesa”, destaca a tradutora.
Essa relevância se dá, entre outros motivos, por conta de ter sido republicado em 1999, na Inglaterra, numa coletânea, junto a estes dois clássicos, e a partir daí ter suscitado um boom de estudos acadêmicos que destacaram sua importância literária, política e histórica no contexto da Restauração inglesa. “Hoje há uma rica fortuna crítica a seu respeito”, avalia Oliveira.
A ilha dos Pines foi publicado em formato impresso e digital [PDF], pela Editora do Centro de Comunicação, Turismo e Artes (CCTA) da UFPB. “Foi autofinanciado por mim, que custeei a edição impressa pessoalmente. Está disponível no Google Books, para download gratuito e sua versão impressa tem como objetivo atender à demanda de grupos de pesquisa e de pesquisadores com quem tenho contato. Não estará à venda”, finaliza Carla Mary Oliveira.