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Órtese acessível e personalizada para pé e tornozelo é desenvolvida na UFPB

publicado: 13/10/2022 12h31, última modificação: 13/10/2022 12h33
Aparelho em fase de produção beneficiará quem tem hemiplegia por causa de AVC

Foto: Divulgação

Pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) estão desenvolvendo uma órtese acessível e personalizada para o pé e o tornozelo, a fim de controlar os movimentos das articulações de pessoas com disfunção neuromuscular. O aparelho, em fase de produção, beneficiará, principalmente, quem tem hemiplegia, paralisia de um dos lados do corpo, em decorrência de Acidente Vascular Cerebral (AVC).

“Cerca de 70% das pessoas que sofrem um AVC retomam a sua capacidade de locomoção, embora sem o sinergismo muscular adequado. Mas sobreviventes de AVC andam mais devagar e demonstram mais assimetria na marcha, padrão cíclico de movimentos corporais que se repete indefinidamente a cada passo”, explica Luana Lima, que está à frente do estudo, sob a supervisão da professora e pesquisadora Adriana Costa-Ribeiro, no âmbito do curso de mestrado do Programa de Pós-graduação em Fisioterapia (PPGFis) da UFPB.

Por não conseguirem realizar a transferência de peso adequada, devido à paralisia de um dos lados do corpo, há diminuição da velocidade e aumento do tempo em que o peso é transferido para o lado parético, ou seja, que tem paralisia, resultando em uma passada mais larga. “Essas compensações produzem um deslocamento anormal do centro de gravidade, acarretando maior gasto energético”, afirma a mestranda.

O protótipo que modifica aspectos funcionais ou estruturais do sistema neuro musculoesquelético para obtenção de alguma vantagem mecânica ou ortopédica terá ação antiequino e antiinversão, com o intuito de reeducar a locomoção devido às sequelas. O pé equino é uma condição que afeta os tornozelos e compromete a sua movimentação, impedindo que se articule o pé para cima, em direção à perna. O principal sintoma do pé equino é a dificuldade para caminhar e articular o tornozelo.

Já a inversão do tornozelo é quando a planta do pé vira para dentro e corresponde à esmagadora maioria das entorses, levando à lesão dos ligamentos laterais. Segundo Luana Lima, quem tem AVC costuma desenvolver contraturas musculares que acometem o músculo tibial posterior [principal músculo estabilizador da perna]. “Essas contraturas acarretam inversão dinâmica do ante pé durante a marcha, padrão cíclico de movimentos corporais que se repete indefinidamente a cada passo. Essa postura de inversão comumente ocasiona comprometimento da velocidade da marcha e diminuição”, conta a pesquisadora.

A órtese será desenvolvida a partir de impressão 3D, para favorecer a inibição do tibial posterior, aumentar a simetria dos passos e velocidade da marcha de pessoas hemiplégicas. De acordo com Luana Lima, a modelagem da órtese em 3D se dará de forma personalizada para cada participante da pesquisa, que teve início em maio deste ano e será concluída em 12 meses. Os pacientes que serão beneficiados já estão sendo convocados para os testes. Por se tratar de um protótipo, será feito um estudo-piloto com cinco participantes. 

“Nós só estamos com um no momento. Os participantes serão chamados mediante a demanda. Estamos na fase dos testes de materiais de engenharia. Uma órtese similar de numeração 35 a 37 custa, em média, R$ 900 e não é disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O aparelho será projetado com o auxílio do software CAD 3D Inventor, que tem recursos de animação que possibilitarão distribuir os componentes mecânicos de maneira balanceada e simular o funcionamento da órtese”, destaca a mestranda.

Conforme Luana Lima, a criação e modelagem em 3D da órtese por meio de software de computador se resulta em um arquivo digital, o que facilita o desenvolvimento de projetos. “Os arquivos dos projetos em 3D são armazenados e podem ser modificados a qualquer momento, permitindo alterações e melhorias no design e medidas. Cada participante terá sua própria órtese personalizada, com molde feito em fundição de gesso e depois realizada digitalização para impressão em 3D”, detalha.

Os participantes do estudo são de ambos os sexos, adultos, com idade entre 40 e 69 anos, acometidos por sequelas de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Outros critérios para o recrutamento foram: estar em fase crônica e ter espasticidade de membro inferior menor que Grau 3, segundo a Escala de Ashworth Modificada. A espasticidade é um distúrbio frequente nas lesões congênitas ou adquiridas do sistema nervoso central, caracterizado por um aumento do tônus muscular e exacerbação dos reflexos, que se acentuam quando há maior velocidade ou resistência no movimento.

Além desses requisitos, houve outros, como possuir nível 3 de força muscular na extremidade proximal do membro inferior paralisado, sendo 0 quando não se percebe nenhuma contração muscular e 5 quando é capaz de aplicar força contra a gravidade normalmente; que seja deambulador domiciliar, ou seja, que utilize aparelho que auxilia a locomoção, geralmente constituído por uma estrutura metálica leve e assente em quatro pernas; e que não apresente alterações cognitivas e de sensibilidade que impossibilitem a avaliação e a execução da intervenção fisioterapêutica proposta.

Os experimentos acontecerão na Clínica-escola de Fisioterapia da UFPB ou em centros de reabilitação parceiros, como os do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) e Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência (Funad), todos em João Pessoa.

Mais qualidade de vida

Luana Lima reforça que o projeto de pesquisa é importante porque os custos sociais e econômicos para adquirir uma órtese são elevados, tendo em vista que o aparelho não é ofertado pelo SUS. “Queremos entregar gratuitamente uma órtese adequada e eficaz a populações de hemiplégicos com baixo poder aquisitivo”, explica a mestranda.

Conforme a pesquisadora, melhorar o padrão de marcha é considerado um dos principais objetivos do processo de reabilitação, pois a limitação na locomoção está intimamente relacionada à realização de atividades cotidianas e, consequentemente, melhor qualidade de vida.

A mestranda pontua que, com o crescimento da expectativa de vida e o envelhecimento populacional no Brasil, nas últimas décadas, os fatores responsáveis pelo aparecimento de doenças crônicas não-transmissíveis aumentaram. Elas são aquelas que se desenvolvem ao longo da vida, muitas vezes de forma lenta, silenciosa e sem apresentar sintomas, mas que comprometem muito a qualidade de vida e oferecem grave risco ao indivíduo.

Essas doenças caracterizam-se por ter causas múltiplas. Alguns dos fatores de risco são o uso de tabaco, consumo nocivo de álcool, alimentação não saudável e atividade física insuficiente. Entre as principais doenças crônicas não-transmissíveis, estão as cardiovasculares, respiratórias crônicas (bronquite, asma, rinite), hipertensão, câncer, diabetes e as metabólicas (obesidade, diabetes, dislipidemia).

“Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o AVC se destaca como a segunda maior causa de morte no mundo, responsável por aproximadamente 6,7 milhões de óbitos em 2020. Aqueles que sobrevivem desenvolvem muitas limitações, em especial na marcha e equilíbrio, que são observadas em mais de 50% dos pacientes com AVC”, alerta a pesquisadora.

O estudo da UFPB já foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa, do Conselho Nacional de Saúde, e se dividirá em duas fases: produção da órtese junto ao Laboratório de Fabricação Digital (FabLab) da UFPB e tratamento fisioterapêutico pré e pós-ortetização, a ser realizado na Clínica-escola de Fisioterapia da UFPB.

Também colaboram os pesquisadores Vitória Calado, Lígia Stolt, Euler Macedo, Lucas Hartmann e Fábio Borges. Para participar da pesquisa, basta entrar em contato pelo telefone (83) 99928-6504 ou procurar a Clínica-escola de Fisioterapia da UFPB.

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Reportagem: Pedro Paz
Edição: Aline Lins
Fotos: Divulgação