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Mulheres negras e contranormativas são mais culpabilizadas por violência sexual, diz estudo da UFPB
Dados da tese “Culpabilização da vítima de violência sexual: uma análise do efeito da combinação de características da vítima e do observador”, do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), revelam que mulheres negras e contranormativas são mais culpabilizadas pela violência sofrida por elas.
Segundo dados do trabalho, os homens são os indivíduos que culpam mais as mulheres negras vítimas de violência. O estudo foi realizado com estudantes de cursos como Enfermagem, Farmácia, Direito e Serviço Social. Eles tinham que se posicionar diante de um relato de violência sexual contra uma mulher.
“No relato, manipulávamos a cor da pele da vítima, por meio de fotos brancas ou negras, e a normatividade da vítima, com características sobre comportamentos ditos normativos ou contranormativos. Em seguida, os participantes indicavam o quanto acreditavam que aquela vítima era culpada por ter sido violentada”, explica Layanne Linhares, autora da tese.
Sob orientação da professora Ana Raquel Rosas, a pesquisa utiliza conceitos da “Crença no Mundo Justo” (a ideia de que “as pessoas têm o que merecem e merecem o que elas têm”) e do “Sexismo Ambivalente” (crença na divisão sexual dos papéis entre homens e mulheres).
“Desempenham um papel importante para perpetuar a culpabilização da vítima. A ‘Crença no Mundo Justo’ traz a ideia de que as pessoas ‘têm o que merecem e merecem o que têm’. O ‘Sexismo Ambivalente’ aponta que crenças sexistas estão baseadas em valores patriarcais e normas tradicionais que mantêm a desigualdade de gênero. Os conceitos geram maior culpabilização da vítima de violência sexual”, conta Layanne.
De acordo com a pesquisadora da UFPB, a tese analisa como esses sistemas de crenças, que são amplamente compartilhados na sociedade brasileira, auxiliam a entender os processos que estão ligados à culpabilização da mulher pela violência.
“Os resultados mostraram que existe uma lógica no fenômeno da culpabilização da mulher vítima da violência sexual. Assim, mulheres negras e contranormativas são mais culpabilizadas pela violência sofrida por elas. Igualmente importante é o fato que os homens as culpabilizam mais do que as mulheres”, endossa Layanne.
Para a autora da tese, quanto mais os homens acreditam que o mundo é um lugar justo, mais eles culpam as mulheres negras pela violência sexual por elas sofridas.
Na mesma direção, aponta a pesquisadora, crenças sexistas potencializam a culpabilização e indicam que homens mais sexistas também culpabilizaram em maior medida as mulheres negras e contranormativas.
“Os estudos realizados mostram a importância de tentarmos entender a culpabilização da mulher pela violência por ela sofrida a partir de fatores que estão mais associados ao nível ideológico da sociedade. Nela, a violência sexual ocorre e as crenças têm o papel de justificar e, assim, legitimar esse tipo de violência”, diz Layanne.
A pesquisadora da UFPB chama a atenção para a necessidade de dar visibilidade a diferentes formas de subordinação para a “categoria mulher”.
Ela reforça que investigações podem resultar no desenvolvimento de políticas públicas mais especificas e efetivas no enfrentamento da violência sexual. Além de contribuir no encorajamento das mulheres para procurar ajuda e denunciar as violências sofridas.
A Rede de Observatórios da Segurança, que monitora dados de violência nos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, divulgou que, de junho de 2019 a maio deste ano, foram registradas 1.314 violências contra mulheres.
Pelos dados, quase 40% foram de tentativas de feminicídio e agressões físicas, 33% feminicídios e 12% enquadradas como violência sexual e estupros.
O 13º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2019, atestou que 61% dos feminicídios no Brasil são contra mulheres negras.
“Ressaltamos a importância em se debater sobre o funcionamento dos espaços e a capacitação dos profissionais que recebem as denúncias das vítimas. Sabe-se que esses espaços são majoritariamente masculinos”, finaliza Layanne.
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Reportagem: Jonas Lucas Vieira | Edição: Pedro Paz
Ascom/UFPB