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Estudo da UFPB revela que guerras civis podem dizimar ou recuperar populações de animais silvestres

Aumento do acesso a armas automáticas e suspensão de patrulhas anticaça devastam
publicado: 17/09/2020 19h32, última modificação: 18/09/2020 21h07
Atualmente, 36 países em todo o mundo estão passando por guerras civis e a maioria desses conflitos são financiados por interesses internacionais ou começaram após uma intervenção externa. Foto: Braga-Pereira et al

Atualmente, 36 países em todo o mundo estão passando por guerras civis e a maioria desses conflitos são financiados por interesses internacionais ou começaram após uma intervenção externa. Foto: Braga-Pereira et al

Um novo estudo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) revela, de forma abrangente, como as guerras civis afetam a vida silvestre em países afetados por conflitos, podendo dizimar ou recuperar as populações desses animais não domesticados. 

Os pesquisadores demonstraram que os principais impactos das guerras civis sobre os mamíferos nativos são frequentemente indiretos, em última análise, decorrentes de mudanças institucionais e socioeconômicas, ao invés de táticas militares diretas. 

O aumento do acesso a armas automáticas e a suspensão das patrulhas anticaça furtiva foram as principais causas do colapso da população de vida silvestre, bem como a instalação de bases militares dentro das principais áreas de conservação, a caça excessiva de mamíferos de grande porte e os novos assentamentos de refugiados deslocados também afetaram fortemente as espécies. 

Publicado nesta segunda-feira (14), na revista Nature Scientific Reports, o estudo sugere que as guerras civis em países de baixa governança podem ter impactos positivos e negativos sobre as populações de vida silvestre nativa, dependendo das escalas de espaço e tempo, mas a tendência geral é negativa. 

Os autores alertam que, mesmo durante os tempos de paz do pós-guerra, as populações de mamíferos silvestres não conseguirão se recuperar enquanto as pessoas que vivem em países devastados por guerras permanecerem armadas e os regulamentos de gestão da vida silvestre não puderem ser cumpridos. 

Eles clamam por políticas internacionais robustas que possam prevenir as consequências da guerra, alertando que a restauração das populações de vida silvestre deplecionadas pode levar décadas e requer esforços de intervenção ativos. 

As guerras civis muitas vezes coincidem com hotspots de biodiversidade global, que são áreas de elevada riqueza natural em termos de biodiversidade e que carecem de uma urgente conservação. 

Porém pouco se sabe sobre como elas afetam a vida silvestre. Este estudo avaliou pela primeira vez as principais consequências de uma prolongada guerra civil no Sudoeste da África sobre os mamíferos de floresta e savana, usando Angola como estudo de caso. 

O país é o lar de pelo menos 275 espécies de mamíferos, muitos deles historicamente caçados pelas comunidades locais antes, durante e depois da intermitente guerra civil angolana (1975-2002).  

Na principal área protegida de Angola, o Parque Nacional da Quiçama e a Reserva de Caça da Quiçama, a abundância de 20 das 26 espécies de mamíferos silvestres estudadas foi 77% menor após a guerra, em comparação com o pré-guerra, particularmente para espécies de grande porte, como os elefantes em ambientes de savana aberta. Esse declínio não foi revertido com o final dos conflitos.  

A pesquisa envolveu entrevistas com caçadores locais especialistas, que revelaram que mamíferos de grande porte, como búfalos vermelhos, kudu e palancas castanhas, eram os alvos preferenciais caçados durante a guerra. 

À medida que suas populações se esgotaram cada vez mais, a estrutura de tamanho das espécies de presas gradualmente mudou para espécies de corpo menor, como por exemplo, porco-do-mato, golungo e seixa, durante o período pós-guerra. 

Além disso, uma vez que o declínio da fauna na floresta foi menor do que na savana, os caçadores em áreas florestais puderam ocasionalmente capturar espécies maiores no período pós-guerra.

Faca de dois gumes 

No  modelo de como as guerras civis afetam a vida silvestre, os autores explicam que o efeito das guerras civis, na verdade, podem ser considerados como uma faca de dois gumes, resultando também em declínios nas indústrias extrativas, como empresas de petróleo, mineração e agronegócio, e desta forma beneficiando a vida silvestre. 

Do mesmo modo,  zonas desmilitarizadas e de minas terrestres desestimulam severamente os assentamentos humanos e a ação de caçadores, criando assim potenciais refúgios para vida silvestre.  

Franciany Braga-Pereira, bióloga e doutoranda em Zoologia pela UFPB, liderou o estudo. Segundo a pesquisadora, atualmente, 36 países em todo o mundo estão passando por guerras civis e a maioria desses conflitos são financiados por interesses internacionais ou começaram após uma intervenção externa. 

"Esses conflitos internacionalizados são mais prolongados e menos propensos a encontrar uma solução política. Portanto, considerando medidas que podem reduzir o impacto da guerra sobre a vida silvestre, enfatizamos a cumplicidade de potências estrangeiras, que devem promover políticas que mitiguem os impactos ambientais prejudiciais dos conflitos armados”, defende Franciany Braga-Pereira. 

O professor Carlos Peres, da University of East Anglia (UEA), colaborou na pesquisa. De acordo com o docente, os países em desenvolvimento e de baixa governança estão tentando viabilizar, mesmo em tempos de paz, a proteção de seus recursos de fauna silvestre, sem contar com as consequências adversas do colapso das instituições públicas induzido por uma guerra civil.  

“No entanto, não existem mecanismos internacionais adequados para implantar forças de paz para manter o status quo das populações de vida silvestre vulneráveis em partes problemáticas do mundo”, critica Peres. 

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Reportagem e Edição: Pedro Paz
Ascom/UFPB