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“Freire é o pensador mais importante da primeira metade do século XX”, defende Carlos Alberto Torres
De chapéu-panamá, o sociólogo político da educação Carlos Alberto Torres chegou à Universidade Federal da Paraíba (UFPB) para lançar o livro The Wiley Handbook of Paulo Freire na última quinta (18). A publicação é um manual sobre os impactos do conhecimento produzido pelo educador brasileiro no mundo. Deve se juntar aos mais de 50 já publicados por este que é professor na Universidade da Califórnia – Los Angeles (UCLA) e fundador do Instituto Paulo Freire no Brasil, Argentina e Estados Unidos.
De acordo com o Google Scholar, ferramenta de pesquisa para literatura acadêmica, Paulo Freire é o terceiro pensador mais citado do planeta em trabalhos de universidades de humanas. Contudo, nos últimos tempos, seu legado tem sido questionado no país, por movimentos conservadores e de anti-intelectualismo.
“Paulo Freire foi um intelectual público e global. Neste momento, no Brasil, está ocorrendo algo interessante. É uma regra praticamente de ouro na historiografia: se um personagem histórico que está morto é questionado por um governo, é altamente subversivo para este governo e vai afetar profundamente sua capacidade de transformar a realidade. Freire é um humanista. Tinha a responsabilidade de construir a humanidade. Nada pode questioná-lo”, sentencia Torres.
Pedagogia do Oprimido é um dos mais conhecidos trabalhos do Paulo Freire. Neste ano, o livro completa 50 anos de lançamento. Está na 65ª edição no Brasil. Traduzido em mais de 30 idiomas, vendeu mais de um milhão de cópias em todo o mundo e é o único livro brasileiro a constar na lista dos 100 títulos mais indicados por professores nas bibliografias das universidades de língua inglesa nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, pesquisadas pelo projeto Open Syllabus.
“Em Ciências Sociais, Pedagogia do Oprimido é o terceiro mais citado no mundo inteiro. Em Educação, o número um. É um texto emblemático, mítico. É uma das etapas de um pensamento muito abrangente, que busca reconstituir a imagem politica da educação, os aspectos epistemológicos da aprendizagem, é um modelo de emancipação. Freire é o pensador mais importante da primeira metade do século XX e Pedagogia do Oprimido é o livro mais importante da segunda metade.“
Venício Lima, da Universidade de Brasília (UnB), comentou, em maio deste ano, em texto publicado no Portal Vermelho, que, nos eventos que vêm sendo realizados para celebrar os 50 anos da Pedagogia do Oprimido no Brasil e no exterior, praticamente só existem participantes pedagogos, educadores populares, filósofos da educação ou especialistas que, mesmo eventualmente oriundos de outros campos de estudo, trabalham com o pensamento de Paulo Freire da perspectiva da educação formal, de encontro à ideia de educação popular.
Para Torres, Freire é um pensador transformador porque recupera todo o pensamento da área da educação e o aplica na contemporaneidade. Embora não tenha criado um modelo especifico para a educação formal, há adaptações. “Ele criticou a educação bancária, centrada no poder e que incorpora a assimilação de conceitos. A proposta epistemologia de diálogo do Freire é democrática. O ideal é que a educação formal incorpore o Freire.”
O projeto que ficou conhecido como Escola sem Partido (PL 7180/14 e apensados), outrora em tramitação na Câmara nos Deputados e agora com atividades suspensas por falta de apoio, inclui, entre os princípios do ensino, o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa.
“O Escola sem Partido é um modelo ideológico que questiona o pensamento critico. Na verdade, querem as escolas com o partido que está no poder. O que Freire disse, e por isso é considerado tão perigoso pela extrema direita, é que você não pode manipular a consciência. E se você deseja fazer isso, está correndo um grande risco. A resposta será atos pela liberdade.”
Já o projeto Future-se, apresentado pelo Governo Federal na última quarta-feira (17), busca, segundo o Ministério da Educação (MEC), o fortalecimento da autonomia administrativa, financeira e da gestão das universidades e institutos federais. Para isso, essas ações seriam desenvolvidas por meio de parcerias com organizações sociais.
“Freire defendeu a democracia em meio às lutas sociais na América Latina, nos anos 1960. É um pensador muito comprometido com o democrático, com a luta de classes. O liberalismo existe desde 1980. É um modelo fracassado. O neoliberalismo é baseado no individualismo possessivo. É uma oportunidade para o setor privado expandir e controlar o país. Destrói o bem comum.”
Pedro Paz | Ascom/UFPB