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Estudantes da UFPB criam e-book sobre o povo indígena Potiguara

publicado: 19/07/2018 18h07, última modificação: 19/07/2018 18h07

As estudantes do curso de graduação em Comunicação em Mídias Digitais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Fabiana Sousa e Tamara Rodrigues criaram, como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), o e-book “Potiguara, um povo de memórias”, que habita o nordeste brasileiro, pelo menos desde o século XVI, e que, na Paraíba, vive em áreas ao longo do Vale do Rio Mamanguape, da Baía da Traição à Serra da Raiz, no Litoral Norte do Estado.

 A defesa do trabalho ocorreu no dia 21 de junho e a banca de avaliação foi formada pelos professores Marcos Nicolau e Kelly Oliveira, respectivamente orientador e coorientadora do trabalho, e pelos docentes Hercílio de Medeiros (Mídias Digitais) e Estêvão Martins Palitot (Antropologia). Em seguida, índios potiguaras se apresentaram e protestaram contra a falta de orçamento do governo federal para políticas públicas que garantam a permanência de indígenas no Ensino Superior.

“Sou grata aos professores Marcos e Hercílio pelo suporte técnico e à Kelly e ao Estevão pelo olhar antropológico e cada sugestão dada para melhorar o e-book. Estevão me conhece desde o Ensino Fundamental e sabe que o caminho que estou trilhando não é fácil. Tive que segurar as lágrimas para não chorar”, confessa Tamara, da Aldeia Alto do Tambá, remanescente dos Potiguaras na Baía da Traição.

 O e-book de 53 páginas, que foi dividido em cinco capítulos - sobre educação, festividades, pontos turísticos, memórias de figuras centrais e projeções acerca do futuro dos Potiguaras -, passará por modificações antes de ser disponibilizado para download na internet.

“Faremos algumas correções. Irei acrescentar textos também. A divulgação do material será por meio das redes sociais e de sites vinculados aos povos indígenas. Entregarei uma mídia para cada escola e para a biblioteca do povo Potiguara”, explica Tamara.

O livro digital será disponibilizado, ainda, para órgãos que trabalham com os indígenas na Paraíba, entre eles o Setor de Estudos e Assessoria a Movimentos Populares (Seampo) e o Programa de Educação Tutorial Indígena (PETI), ambos em atividade na UFPB

Durante a produção do e-book, enquanto Tamara estava mais preocupada com a memória e com a representação de seu povo, Fabiana pensava em trabalhar a atualidade indígena. “Resolvemos unir uma coisa à outra e acredito que deu certo. Eu, por não ser indígena, por mais que fale dessas memórias, não conseguiria me ver nelas, diferentemente da Tamara. De qualquer maneira, respeito e admiro a forma como ela defende a história do seu povo”, afirma Fabiana.

A amizade entre as duas alunas teve início durante um trabalho de grupo. Fabiana conta que se aproximaram por compartilhar opiniões parecidas. “A princípio, fiquei surpresa, pois não sabia da presença de indígenas na universidade. Mas fiquei muito feliz pela conquista deles. Vejo os indígenas como pessoas se preocupam com o grupo, em vez de agir individualmente“, relata.

“Fabiana sempre esteve interessada em conhecer meu povo. Pessoas urbanas e indígenas vivem em mundos praticamente idênticos. Assim como as pessoas da cidade trabalham, nós trabalhamos. A diferença está na cultura, nas crenças, rituais, pinturas corporais, o resgate da língua tupi e maior contato com a natureza”, avalia Tamara.

Trajetória

Tamara ingressou na UFPB através de vestibular, por meios de cotas. Ao logo do curso, teve acesso ao auxílio-moradia e à ajuda de custo do Programa de Bolsa Permanência (PBP). No início, veio morar em João Pessoa. Dividia aluguel com mais três pessoas, uma delas era seu irmão, que cursava Engenharia Ambiental. Depois que ele resolveu mudar de graduação e voltou a morar na Baía da Traição, Tamara se abrigou na Residência Universitária da UFPB. Só não esperava, logo em seguida, ficar grávida pela segunda vez.

“Não dava para continuar na Residência Universitária grávida. Então voltei para a Baía da Traição. Passei a ir todos os dias para João Pessoa”, conta ela. “Saía de casa às 5h30, para chegar duas horas depois. Voltava à noite, com outros estudantes universitários da minha cidade. Não tinha condições financeiras na época. Recebia ajuda da minha família. A situação só melhorou depois que fui contemplada pelos programas de auxilio da universidade”.

Ao longo da graduação, Tamara integrou o projeto de extensão “A questão indígena no Nordeste”, do Seampo/UFPB. “Lá, participei como bolsista e estagiária. Era o único lugar onde podíamos nos sentir em casa. Todos falam uma linguagem só. E, como o Seampo já trabalhava, há bastante tempo, com os indígenas, havia certa facilidade de nos comunicar”, diz.

O Seampo também viabilizou o desenvolvimento acadêmico da aluna indígena. Lá, Tamara encontrou apoio para dar vida aos seus projetos, assim como no departamento de seu curso: “precisei me adaptar. Tive que morar na capital, fazer novos amigos. Houve discriminação por me afirmar indígena. Poucas pessoas acreditavam que na Paraíba existissem indígenas. Lembro-me de uma aula de fotografia, na qual tínhamos que mostrar algo que nos representasse. Levei imagem de um de ritual indígena. Percebi que alguns colegas riam. Mas não me importei”.

Com o tempo, os colegas de classe foram se acostumando. “Achavam bonita minha cultura, minhas pinturas corporais. Muitos se mostravam curiosos para saber do meu cotidiano. Perguntavam tudo, o que eu comia. Sei que era por falta de informação mesmo. Afinal, os materiais didáticos não relatam sobre os povos indígenas no presente, sempre nos inserindo no passado”, critica.

Além do Seampo, no campus de João Pessoa, e do PETI, no campus do Litoral Norte, os indígenas potiguaras que são estudantes da UFPB se articulam por meio da Associação dos Universitários Potiguara (AUP). “Debatemos assuntos de interesse indígena. Para participar, não precisa, necessariamente, estar vinculado à UFPB. Basta estar cursando alguma graduação, porque a entidade abriga todos os indígenas universitários, sejam eles alunos de universidade pública ou privada”, esclarece Tamara.

Após concluir o curso de Comunicação em Mídias Digitais, Tamara pensa em cursar mestrado em Antropologia Visual. Além disso, está analisando propostas para criação de e-book e série sobre lendas indígenas: “a série seria inserida em um filme, em parceria da UFPB com a Universidade de Sorbonne, da França, e a Universidade de Brasília”.

Com relação à demarcação das terras indígenas na Paraíba, segundo Tamara, a situação está sob controle, sem conflitos, porque boa parte já foi delimitada. Mas, segundo ela, na parte do território Tabajara, entre a foz do Rio Paraíba e a Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, assim como em tantas outras, ainda precisam ser reconhecidas.

Para ela, é animador ter, pela primeira vez, ainda que como vice, uma mulher indígena, a Sônia Guajajara, compondo chapa para concorrer à presidência do país, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL): “precisamos ocupar os lugares que um dia foram nossos. Conheço a Soninha Guajajara. Ela tem uma história de luta e de protagonismo, enquanto mulher indígena guerreira, que briga para que suas terras sejam reconhecidas. Tenho certeza de que terá o apoio de todos para disputar essa eleição. Estamos muito bem representados por ela”.