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Sanfona

Trata-se de um “aerofone livre de interrupção com palhetas livres agrupadas” 4.1.2.1.3.2. (Hornbostel; Sachs, 1914).
publicado: 23/05/2016 10h49, última modificação: 17/04/2018 18h23
Gaita de ponto ou Fole de oito baixos

Gaita de ponto ou Fole de oito baixos

Sanfona s.f. O termo começou a ser empregado no nordeste, disseminou-se pela região sudeste, tornando-se uma denominação genérica do acordeon brasileiro, grafado também como “acordeão, acordeom, acordeona, fole e gaita-de-foles” (Alvarenga, 1977: 687), botoneira, gaita de colher ou verduleira (Rugero, 2009: 3). Trata-se de um “aerofone livre de interrupção com palhetas livres agrupadas” 4.1.2.1.3.2. (Hornbostel/Sachs, 1914). É portátil constituído de fole que aciona a válvula de ar, fazendo vibrar determinada palheta livre, no interior do “castelo” (caixas de madeira), conforme a tecla ou botão acionado. Nas sanfonas com teclado no lado direito, cada tecla ou botão é responsável por uma única altura ou acorde, enquanto nas sanfonas sem teclado, cada botão corresponde a duas alturas ou acordes diferentes, conforme o movimento de compressão e distensão do fole, seguindo o princípio da gaita de boca ou harmônica. Deste modo, a sanfona ou acordeão diatônico com botões em ambos os lados – geralmente 21, para as vozes, e oito, para o acompanhamento – é denominado como gaita de duas conversas, gaita, harmônica, gaita-ponto, gaita-botoneira e gaita de botão, além de cordeona de oito baixos e harmônia, na região sul. Na região nordeste é conhecido também como fole de oito baixos, concertina, realejo, ou pé-de-bode. Outras denominações utilizadas são: cabeça-de-égua, em Minas Gerais, bandona, no Espírito Santo, e testa de ferro, no Rio de Janeiro. O acordeon de teclado é conhecido como sanfona, no nordeste, gaita piano (Ruggero, ibid.: 10), no sul, e acordeão, no restante do país.

Conforme a fig. 1, há variantes de dimensões conforme os recursos, mas reunindo-se tabelas da década de sessenta (em rosa) e atual (em azul) de um mesmo fabricante, agregando outros anúncios recentes (em verde), podemos sumarizar que: o peso varia entre 4,8 e 12 quilos. Para o lado direito melódico, o número de teclas ou botões varia entre 21 e 41 teclas, entre 2 e 4 vozes e entre 2 e 12 registros. Para o lado esquerdo, da harmonia ou dos baixos, o número varia entre 8 (ver fig. 1) e 120 botões, 4 e 7 palhetas, e 2 e 5 registros.

Os primeiros registros da sanfona no Brasil surgem no Rio Grande do Sul, trazida, provavelmente, pelos imigrantes italianos, por volta de 1836, e pelos alemães, em 1845, e foi levada ao norte por soldados nordestinos que lutaram na guerra do Paraguai, em 1864-70 (Almeida 1951: 113; Rugero 2009: 5). Por suas possibilidades melódicas e harmônicas, a sanfona veio ser uma alternativa mais prática e econômica, substituindo a orquestra ou piano, para acompanhar as danças ou cantigas locais. Alcançou popularidade entre as décadas de 40 e 70, quando começa a cair em desuso conforme cresce a acessibilidade ao teclado eletrônico.

Rugero (ibid.: 8) esclarece que “desde que desembarcou no Brasil, a sanfona de oito baixos passou por grandes transformações, adquirindo ao longo do tempo, características próprias de afinação e técnicas peculiares de interpretação. Desenvolve-se em um repertório tipicamente brasileiro, ganhando estilos e recursos novos, sobretudo na região sul, que lhe acolheu; nas regiões sudeste e centro-oeste, por onde se espalhou, e no nordeste, onde adquiriu características peculiares de afinação e interpretação”. Dos gêneros musicais presentes em todo o país, a sanfona é indispensável na quadrilha junina, e pode ser utilizada no frevo, no samba de matuto ou samba de latada, ou na valsa-choro. No sul a gaita ponto foi aos poucos se apropriando da função da rabeca e da viola. No Rio Grande do Sul a gaita acompanha o cancioneiro e as danças gaúchas como o fandango (valsa, a mazurca, rancheira e o chamamé vanera, o vanerão, a polca, o contrapasso, o xote, o bugio e a milonga) e as danças de roda (cana-verde, balaio, pezinho). Tais danças tiveram como figura central o tio Bilia.

A sanfona é um dos instrumentos emblemáticos do nordeste brasileiro, que junto com a zabumba e o triângulo formam o trio de forró. Ademais das valsas, polcas, rancheiras, mazurcas, a sanfona cromática veio ampliar a possibilidade de executar choros. O trio estava apto a interpretar as danças do forró cujo ritmo base é o tresilho, tais como: o baião no modo mixolídio; o forró, gênero sincopado com melodias adornadas; o forró acelerado ou arrasta-pés, baiões, xaxado e xotes. O baião, ritmo predileto desse tipo de conjunto musical, tem como expoente o sanfoneiro, cantor e compositor pernambucano Luiz Gonzaga, que difundiu o gênero no sudeste atingindo os nordestinos migrantes na região. Ele utilizava uma sanfona de 120 baixos (ver fig. 3) e explorava os efeitos de chamada e resposta entre a mão direita e mão esquerda. O Forró pé de serra foi consagrado por Pedro Sertanejo. Quando o conjunto forró pé de serra, agrega um violão de sete baixos e um cavaquinho, se torna “forró instrumental”, na década de 70, quando absorveu o merengue dominicano, o carimbo paraense. O renomado Dominguinhos inaugurou o forró-choro[1]. Outros grandes nome da sanfona é Sivuca e Osvaldinho[2]

Rugero (2009: 28) observa que os sanfoneiros de oito baixos nordestinos podem ser divididos entre duas vertentes, a “natural”, ou “arrasta-pé”, com os adeptos da afinação diatônica ou natural, e a “transportada” ou “chorada”, com os adeptos da afinação cromática ou “transportada”. A afinação “natural”, também denominada “diatônica” é a afinação que os instrumentos já trazem de fábrica e corresponde à utilizada nas regiões sul e sudeste. Já a “transportada” é uma modificação da afinação natural que é típica da região nordeste.

 Referências

Almeida, Renato de. 1958. História da música brasileira. 2ª ed. Rio de Janeiro: Briguiet. P. 113-14.

Alvarenga, Oneyda. 1977. “Sanfona”. In: Marcondes, ed. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. São Paulo: Art. P. 687

Rugero, Leo. 2009. “A sanfona de oito baixos na música instrumental brasileira” [3], Projeto Músicos do Brasil: uma enciclopédia. Petrópolis: Petrobrás.

Alice L. Satomi


[1] Ver “Dominguinhos: voz, sanfona e histórias de vida” em https://www.youtube.com/watch?v=AJTU5RhF3S4

[2] Ver “Luiz Gonzaga, Sivuca, Dominguinhos e Oswaldinho - aproveita gente” https://www.youtube.com/watch?v=A1KMLXpXqDs