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Membí
Fonte: Cameu, Helza. 1979. Instrumentos musicais dos indígenas brasileiros: catálogo da exposição. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional; Funarte. p. 58
Foto publicada em Dias (2014:47)
Membi (s.m.) - O musicólogo Mário de Andrade observa que é um instrumento “empregado de modo confuso por diversos autores” podendo até ser sinônimo de qualquer instrumento de sopro (1989:329) até um apito ou assobio. Gonçalves Dias emprega essa nomenclatura de forma genérica, traduzindo membi como “buzina, frauta, trombeta”, entre os Timbiras, e como “clarim”, entre os “Membi apára”. Montoya (apud Andrade id.:330) define mimbí-tarará como “flauta, bocina”, entre os guarani. “Mas especifica na parte guarani-espanhol [...] que mimbi é ‘flauta, chirimia y cosa semejante’ ao passo que trombeta, clarim é ‘mimbi tarará’ ou ‘mimbí tereré’”.
O viajante conde Ermano Stradelli registrou como memi, membé ou membu, restringindo para “flauta feita do osso da tíbia humana [v. Cangoeira]” utilizada como troféu de guerra. Como troféu de caça poderia ser de osso de veado, onça ou macaco (1928:742) ou outros materiais. Mário (Andrade ibid.) acrescenta outras especificações, como membi chuê, uma flauta dupla “a que os paraenses e peruanos chamam Guena”, e mimbí-etá, o instrumento religioso dedicado ao Jurupari”. E mais adiante o musicólogo resumiu a lenda contada pelo conde, que proíbe a visão dos Mimbi-etá pelas mulheres
[...] pois tendo uma trovoada derrubado a casa dedicada ao Jurupari, os instrumentos ficaram à mostra e foram vistos por algumas mulheres. Mas logo o Tucháua as mandou matar todas, inclusive a nora, cujo casamento estava celebrando! (Stradelli id.:748)
Da literatura (etno)musicológica brasileira, o estudo de Acácio Piedade (1999) sobre os Wauja, povo Aruak do Xingu, confirma essa medida restritiva com punição violenta para as mulheres que infrinjam a proibição de ver as flautas sagradas.
O musicólogo Paulo Castagna registrou os usos, descrição ou contexto musical relatado pelo viajante André Thevet:
as guerras, nas quais se usavam as membi aparas, enormes trombetas de taquara e o guatapi, instrumento feito de uma grande concha marinha; [...], as festas de cauim [preparação de bebida fermentada], ocasião em que tocavam os maracás, os aguaí e as flautas chamadas membi (Thevet apud Castagna 2010:7)
O antropólogo Edimilson Souza detalhou o conjunto instrumental utilizado no ritual do toré entre os xukuru do Ororubá, na região agreste pernambucana
No caso Xukuru, além de um importante espaço-ritual composto por cantos (pontos de Toré), danças, instrumentos musicais – gaita Membi (um tipo de flauta), Maracá (...) e Jupago (uma espécie de cajado com uma raiz de formato arredondado em sua base, manuseado apenas pelos homens). (Souza 2019:64)
Em meados de 2022, nos foi enviado pelo antropólogo Sandro Guimarães, um vídeo do cacique Davi Xukuru tocando membi no velório do indigenista Bruno Pereira, em 24.06.2022, que pode ilustrar o uso solene do instrumento, com ornamentações semelhantes à gaita do auto dos caboclinhos dos carnavais nordestinos. Vídeo disponível em registro
Com base na ilustração, no vídeo dos xukuru e na atualização de Montagu (2011), o Membi poderá ser classificado como aerofone (4) de sopro (4.2) da família das flautas (4.2.1) com ducto (4.2.1.3) interno (4.2.1.3.1) com tubo simples (4.2.1.3.1.1) aberto na base (4.2.1.3.1.1) com orifícios digitadores (4.2.1.1.2.1.1.1). No caso da foto são 4 orifícios para diferenciação das alturas, de âmbito pentatônico.
Alice Satomi e Gabriel Sena
Referências
Andrade, Mário de. 1989. Dicionário musical brasileiro. Org. Toni, Flavia; Alvarenga, Oneida. Belo Horizonte; Brasília; São Paulo: Itatiaia; Ministério da Cultura e Universidade de São Paulo
Castagna, Paulo. 2010. Música na América Portuguesa. In: Moraes, José Geraldo Vinci et al. História e Música no Brasil. São Paulo: editora. P. 7 e 8
Dias, Luis. 2014. “Membi” Música de todos os tempos. públicada em Julho na seção 47 https://ladosolmabon.blogspot.com/2014/07/4-7.html acesso em 01/06/2023
Piedade, Acácio Tadeu de Camargo. Flautas e trompetes sagrados do noroeste amazônico: sobre a Música do Jurupari, 1999. Tese em antropologia social. Florianópolis: UFSC Universidade Federal de Santa Catarina.
Souza, Edimilson Rodrigues de. 2019. Na mata tem ciência, eu vou mandar chamar. Revista Calundu. Disponível em https://periodicos.unb.br/index.php/revistacalundu/article/view/28955 Acesso em 25/05/2023
Stradelli, Ermano. 1928. Vocabularios da língua geral portuguez-nheêngatu e nheengatu-portuguez precedidos de um esboço de grammática nheênga-umbuê sáua-miri e seguidos de contso em língua geral nheêngatú-poranduua. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, 104 (158):5-768