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A extinção do CONSEA é retrocesso que impacta a mesa dos brasileiros, por Jenifer Santana

publicado: 08/05/2019 16h52, última modificação: 18/07/2019 16h18

A pasta da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) sofreu ataques logo no primeiro dia de exercício do mandato do Presidente Jair Bolsonaro. A Medida Provisória nº 870 promulgada no dia 1º de Janeiro desse ano, extinguiu na prática o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), órgão tão caro para a construção histórica de Políticas Públicas centradas no combate à fome, promoção da SAN, e não violação do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA).

 O CONSEA foi criado em 1993 no governo de Itamar Franco. O Conselho nasceu como uma demanda proveniente da sociedade civil organizada. Num espectro histórico, assumiu o marco de ser uma tentativa pioneira de promover a discussão sobre Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) em um ambiente político fundamentado na participação social e na integração de diversos setores. Devido a pouca aderência à temática na agenda política da época, o órgão foi extinto em 1995 durante o governo FHC pelo Decreto nº 1366, mas veio a ser recriado no governo Lula oito anos depois.

A composição do CONSEA foi estabelecida de forma a possuir 2/3 de seus membros provenientes da sociedade civil (40 membros) e 1/3 do governo (20 membros). Além dos Conselheiros, o órgão seria composto por uma Secretaria Executiva, uma Mesa Diretiva, Comissões Permanentes e Grupos de Trabalho e a Comissão de Presidentes de Conselhos Estaduais e do Distrito Federal de Segurança Alimentar e Nutricional. O Conselho defendia um modelo de produção (sistema alimentar) saudável, sustentável, agroecológico, justo, e que respeitasse a diversidade dos sistemas produtivos. Todas suas ações centravam-se em assegurar a não violação do DHAA.

Após sua recriação, o CONSEA assumiu de fato sua posição de assessoramento à Presidência da República, sendo responsável institucionalmente pelo controle social na formulação, execução, e monitoramento da Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar (PNSAN e PLANSAN). Essas prerrogativas de atuação e outras mais, foram instituídas através da adoção da LOSAN (Lei nº 11346), considerada um dos expoentes da atuação do CONSEA nos últimos anos. A LOSAN instituiu em seu Art. 3º o conceito de SAN, e no seu Art. 7º estabeleceu o Sistema Nacional de Segurança Alimentar (SISAN), somando às atuações do SUS e SUAS.

 O SISAN foi criado visando ser intersetorial; voltado à implementação do PNSAN e dos PLANSAN; destinado a fomentar esforços de integração entre sociedade civil e governo; e centrado em realizar o acompanhamento, monitoramento e avaliação de Políticas Públicas de SAN. A composição do SISAN foi estruturada a partir da união de dois órgãos: o CONSEA e a CAISAN (Câmara Interministerial de SAN). A CAISAN seria integrada por vinte ministérios, os quais trabalhariam na articulação intersetorial de programas e ações de SAN, e na gestão, monitoramento e avaliação do PLANSAN.  Posteriormente, o Decreto 7272/2010 instituiu as particularidades da Política Nacional de Segurança Alimentar (PNSAN). Determinou-se que a Política seria implementada a partir do PLANSAN, e a construção do PLANSAN, por sua vez, também seria feita por meio duma atuação conjunta do CONSEA e da CAISAN.

Minha chegada ao CONSEA aconteceu em 2017, quando houve a renovação de 60% dos Conselheiros que integravam a instituição desde a década anterior. A 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional realizada em Novembro de 2015, aprovou a criação de um segmento da juventude dentro órgão, a fim de tratar de forma mais assertiva das demandas desse público dentro do órgão. Como estudante de Relações Internacionais, minha aproximação do tema da SAN veio a partir do próprio FomeRI, desde sua criação em 2012. Ali passei a ter contato com a temática e estudar as diversas relações do tema com a agenda de Relações Internacionais. Minha entrada no CONSEA, também veio como fruto da atuação na ONG Engajamundo, voltada para a capacitação de jovens para atuação em instâncias de tomada de decisão. O Engajamundo foi convidado a ocupar uma das cadeiras destinadas ao segmento da juventude no órgão, e como era uma das que lidava de forma mais direta com o tema dentro da ONG, me indicaram para o cargo. A chegada da juventude no CONSEA se deu num contexto bastante desafiador. Já no governo Temer, atravessávamos um cenário de bastante corte no orçamento de diversas Políticas Públicas de SAN, experimentando um retrocesso em conquistas históricas da luta pela não violação do DHAA. Ao invés de avançar na agenda da juventude, nos juntamos aos outros Conselheiros nas diversas plenárias que tivemos para discutir os desafios enfrentados.

A Medida Provisória nº 870 decretada pelo presidente Bolsonaro no dia 1º de Janeiro de 2019 veio para agravar os desafios já postos. A MP revogou o Art. 11 da LOSAN, retirando tanto a atuação do CONSEA dentro do espectro do SISAN, quanto sua posição de assessoramento direto à Presidência da República e desarticulando na prática o controle social do arcabouço institucional centrado na formulação, monitoramento e avaliação das Políticas Públicas de SAN.

Sem dúvidas a desestruturação do CONSEA consiste em algo bastante preocupante. A maioria das políticas aprovadas no Brasil e reputadas internacionalmente como responsáveis por tirar o país do Mapa da Fome da FAO em 2014, surgiram também por demanda, articulação e atuação incansável do Conselho Nacional e dos Conseas estaduais de SAN. A consolidação do DHAA como direito social no Artigo 6º da Constituição Federal (Emenda Constitucional 064/2010), o PNSAN e o PLANSAN; os Programas de Convivência com o Semiárido; o Plano Safra da Agricultura Familiar; o Guia Alimentar da População Brasileira; e a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, consistiram em algumas das proposições inovadoras arquitetadas ou amparadas pelo CONSEA buscando assegurar aos brasileiros o DHAA. Ademais a própria estrutura participativa de construção de Políticas de SAN empregada no SISAN foi considerada modelo para vários países.

Várias entidades já reagiram de forma contrária a extinção do órgão, dentre elas a Associação Slow Food Brasil, o Conselho Federal de Nutricionistas, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.  Além disso, audiências públicas e sessões especiais foram realizadas na Câmara dos Deputados[1], Senado Federal[2] e algumas Assembleias Legislativas Estaduais, como a da Paraíba[3], para defender a permanência do Conselho. Em medida mais recente (1º de maio de 2019), o Ministro Marco Aurélio acatou liminar do Partido dos Trabalhadores em defesa dos conselhos participativos e solicitou votação urgente no STF. Na ação direta de inconstitucionalidade o PT alegou que a extinção dos conselhos, na MP de Bolsonaro, infringe o arcabouço constitucional de formulação e implementação de políticas públicas, que requere um controle social.

Enquanto o processo relacionado a MP segue seu fluxo, não podemos saber ao certo seus resultados. Contudo, para mim fica evidente que a desconstrução desse Conselho representará um retrocesso nas conquistas que impactaram diretamente na mesa dos cidadãos brasileiros. Por ser o alimento algo tão básico e primordial, não pode estar subjugado a jogos de interesse que ao final do dia privilegiem um modelo de produção e consumo que não seja acessível, sustentável, saudável, justo e inclusivo.

           

Jenifer Queila Santana - Conselheira do CONSEA. Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisadora do FomeRI

 

Referências

Forum - https://www.revistaforum.com.br/marco-aurelio-acata-liminar-do-pt-em-defesa-dos-conselhos-e-pede-votacao-urgente-do-stf/

Participação em foco - http://ipea.gov.br/participacao/noticiasmidia/participacao-institucional/conselhos/1796-extincao-do-consea

Plano Nacional de Segurança Alimentar (2016-2019­) – Impresso