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Musicalmente
Extensão com terapia e música
O dia que essa fotografia foi realizada, conta a estudante de medicina Nathalia Immisch, já fazia mais de um mês que ela atendia a dona Anatalia, de 87 anos, vítima de demência vascular causada por vários AVCs. Ela sempre colocava uma panderola na mão da usuária, mas percebeu com o tempo que dona Anatalia adorava músicas com violão.
Dona Anatalia contava que seu pai sempre tocava violão para ela e suas irmãs quando morava em um sítio no interior e comentou que tinha o sonho desde jovem de aprender a tocar o instrumento, mas nunca teve oportunidade.
Para que a senhora sentisse que estava tocando e realizando seu sonho, a estudante de medicina decidiu levar seu violão e escolher uma música fácil, com apenas três acordes para ensinar. Não deu muito certo de início, Anatalia tinha alguns problemas de rigidez na mão para apertar as cordas, mas a estudante e a senhora não desistiram. Nathalia e Anatalia fizeram uma dupla, a primeira apertava as cordas e a segunda tocava o ritmo.
Esse momento aconteceu no Ambulatório do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HU), em João Pessoa, onde o projeto de extensão Musicalmente utiliza a música como instrumento terapêutico para tratar idosos com sintomas comportamentais da demência, como depressão, irritabilidade e apatia.
O Musicalmente foi idealizado por Nathalia e teve início em março de 2019. A estudante conta que sempre teve o desejo de juntar música e a prática da medicina, então ela procurou a especialista em geriatria Manuella Toledo, que coordena o projeto, para tirar a ideia do papel.
Elas tiveram como inspiração projetos de ONGs estrangeiras, como a Music & Memory dos EUA e Música Para Despertar da Espanha, que possuíam um público alvo parecido com o do ambulatório do HU. Com a colaboração de professores das áreas de Psicologia, Música e Terapia Ocupacional, pesquisaram e fizeram as adaptações para a realidade brasileira.
Para cada história uma canção
De modo geral, músicas e sons funcionam como estímulo para diversas áreas do cérebro. Contudo, no projeto Musicalmente, a proposta é trabalhar com músicas que possuem um significado particular na vida de cada indivíduo – músicas autobiográficas, que, de acordo com a equipe, são especialmente benéficas para pessoas com síndromes demenciais, pois ativam memórias e emoções.
“Quando eu escuto uma música que representa algo importante, que lembra meu casamento, minha juventude, um período muito bom da minha vida, ela ativa o hipocampo e o sistema límbico. O hipocampo é a parte do cérebro responsável pelo processamento da memória, então quando ele é ativado, é como se viesse uma chuva de memórias, voltando na cabeça do paciente. Ele consegue, de certa forma fazer uma viagem no tempo”, explica Nathalia Immisch.
A estudante lembra ainda que as músicas estimulam o sistema límbico, responsável pelas emoções que cada pessoa sente. Essa sobreposição de estímulos em diversas áreas do cérebro ajuda no tratamento de sintomas depressivos e ansiedade.
Pela experiência vivenciada no projeto, a estudante relata que o tratamento proporciona mudanças evidentes nos usuários. “Às vezes eles chegam bem apáticos, não focam o olhar, não se mexem, não conversam muito e quando começa a música eles mudam totalmente: abrem os olhos, começam a prestar mais atenção no ambiente ao redor, conseguem conversar e olham nos olhos”, relata a estudante.
Para Nathalia, além da formação profissional, o projeto tem sido contribuído para mudar sua percepção como pessoa. “Olhando de fora, vi como é necessário escutar, porque às vezes a única coisa que o paciente precisa é ser ouvido. Isso me fez pôr em prática muitas coisas na minha família, às vezes eu vou para casa da minha avó e fico só ouvindo ela falar de tudo da vida dela e eu sei que aquilo, mesmo que eu não esteja fazendo nada demais, está fazendo toda a diferença.”
Musicalmente e a Pandemia da Covid-19
Na Pandemia, o projeto vem encontrando dificuldades para alcançar seus objetivos. Muitos pacientes voltaram para suas cidades e não é possível entrar em contato com eles, já que não acessam redes sociais ou simplesmente não têm acesso à internet.
Entretanto, o projeto segue em execução, já que parte dos usuários pode ser atendida on-line. Com a colaboração das famílias, que sob a orientação dos extensionistas reproduzem em casa a dinâmica das sessões, o projeto continua oferecendo música e bem estar aos usuários.
Outra forma encontrada pelo projeto foi usar sua página no Instagram (@musicalmente.ufpb) para disseminar informações sobre a terapia com música, síndromes demenciais e cuidados com a pessoa idosa. Dessa forma, o projeto alcança um público bem diversificado, consegue atingir tanto familiares dos usuários quanto pessoas que ainda não conheciam o projeto.
Reportagem de Grace Vasconcelos (Bolsista PROEX 2020), editada por Comunicação PROEX.