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Discente Rafael Fonseca lança minidoc que retrata greve dos entregadores de app

Filme expõe violação de Direitos Humanos e precarização do trabalho
publicado: 17/07/2020 00h02, última modificação: 13/07/2020 17h34
Paralisação organizada por entregadores de aplicativos ocorreu em 1º de julho, em São Paulo (SP). Crédito: Rafael Fonseca e Altair Burghi

Paralisação organizada por entregadores de aplicativos ocorreu em 1º de julho, em São Paulo (SP). Crédito: Rafael Fonseca e Altair Burghi

O mestrando em gestão pública e cooperação internacional da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Rafael Fonseca, em parceria com o artista Altair Burghi, lançou o mini-documentário Greve dos entregadores no último sábado (4), no Youtube.

O filme aborda paralisação organizada por entregadores de aplicativos em 1º de julho, em São Paulo (SP). Denominado de #brequedosapps, o movimento teve o objetivo de mobilizar as empresas de entrega e os consumidores sobre suas condições de trabalho.

“O mini-documentário procura evidenciar os efeitos da precarização do trabalho nos mais diversos âmbitos da vida. São pessoas que entregam comida e, muitas vezes, trabalham com fome. Isso quer dizer que estão na situação de insegurança alimentar”, alerta o estudante.

A produção independente e sem fins lucrativos teve as imagens captadas por meio de uma câmera Nikon Digital D3100. No total, foram 40 minutos de gravação que, no final, resultaram no mini-documentário de 13 minutos e 44 segundos.

No fatídico dia, o filme foi gravado, inicialmente, na Avenida Paulista, no Centro de São Paulo, onde ocorreu a primeira concentração dos entregadores (motoboys e bikers), de meio dia e meia até às 14h30.

No período da tarde, a partir das 15h, os registros foram realizados na região próxima à Ponte Estaiada. “É uma obra simbólica que remete ao capitalismo paulista e onde se concentram as maiores empresas do país. Além disso, fica perto da Rede Globo. O objetivo de fechar a Ponte Estaiada era chamar a atenção da grande mídia brasileira”, conta Rafael Fonseca.

A captação das imagens, edição e lançamento do filme ocorreram no intervalo de apenas quatro dias. “Tínhamos conhecimentos gerais em edição de vídeo. Ficamos três dias seguidos, em média 12 horas por dia, trabalhando sem parar. O resultado foi bastante satisfatório. Queremos evoluir nos próximos”.

Este é o primeiro trabalho de direção de Rafael Fonseca e de Altair Burghi. “O Altair trabalha no setor audiovisual e participou como assistente de produção em filmes e séries, como, por exemplo, “O Pico da neblina” e “PSI” para a HBO, “Irmandade” e “Conquest” para a Netflix e em diversos produtos publicitários. 

Direitos  Humanos 

Rafael Fonseca, que atualmente trabalha em dissertação sobre influências dos atores financeiros na alimentação humana, sob orientação do professor da UFPB Thiago Lima, entende que é possível analisar a manifestação dos entregadores a partir de duas perspectivas: demandas pontuais, como reajuste anual e da tabela de preços, fim de bloqueios indevidos, equipamentos de segurança, apoio contra acidentes e reformulação do programa de pontos; e também enquanto um grito por Direitos Humanos no século XXI.

“Optamos por analisar o contexto da greve a partir de um prisma mais amplo: dos Direitos Humanos. Vale lembrar que, desde 1948, existe o direito humano à alimentação adequada, contemplado no Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos”.

Para o estudante, os entregadores de aplicativos são um exemplo da realidade moderna sobre a exploração do trabalho. “Por isso, buscamos trazer elementos da alimentação dos entregadores. Na primeira fala, o Victor diz enfaticamente que a sua alimentação é o cigarro. A discussão se o cigarro é alimento ou não faz parte de uma debate acadêmico”.

Rafael Fonseca valia que, se essas relações trabalhistas não passarem por regulações e pressão popular, poderão ganhar força na relação capital-trabalho no século XXI. “Eu e Altair Burghi somos colegas desde o Ensino Fundamental e compartilhamos críticas similares sobre o atual modo de produção e formas de reprodução das relações sociais. Para o mini-documentário, decidimos juntar a minha formação acadêmica com o conhecimento artístico dele”.

O trabalho tem  sido divulgado em conjunto com os entregadores que foram entrevistados. “O Altair possui uma rede de contatos no mundo do cinema. Já eu tenho compartilhado nos meios acadêmicos”.

No ponto de vista do Rafael Fonseca, o material serve de insumo para discussões acadêmicas. “Estamos em contato com professores do campo das Ciências Sociais e Saúde Pública para realizar encontros com os entregadores nos circuitos universitários, quando passar a pandemia”.

Precarização

No âmbito da Segurança Alimentar e Nutricional, o estudante afirma que o documentário é fundamental para discutir os conceitos de insegurança alimentar e fome oculta.

“A fome oculta é quando a pessoa fica durante a vida inteira sem uma alimentação de qualidade, o que culmina em outros graves quadros sociais e de saúde. Já a fome aguda é quando a pessoa não tem nem acesso aos alimentos. Isso resulta em um quadro de morte".

Na concepção do mestrando, o atual modo de produção é reflexo da mudança de um mundo fordista, até 1970, para dinâmicas mais flexíveis. “As crises mundiais da década de 1970 impulsionaram uma série de reordenamentos na economia política mundial. Desde as grandes trocas comerciais que passaram a ser intermediadas pelo dólar e não mais pelo ouro, até a divisão internacional do trabalho”.

Nesse  contexto, de acordo com Rafael Fonseca, diversas empresas passaram a reformular as relações trabalhista e investir, pesadamente, na desregulamentação dos mercados. “Toda essa dinâmica está inserida na discussão sobre o neoliberalismo. As empresas começaram a investir na mão de obra barata dos países periféricos”.

Para o estudante, em 2007 e 2008, vivenciamos outra crise na economia política internacional. “Muitos especialistas apontam que a crise de 2008 não foi apenas uma crise do mercado imobiliário norte-americano. Na verdade, é resultado de uma série de medidas tomadas desde o fim do “mundo fordista”, fortemente marcado pela desregulamentação dos mercados”.

Rafael Fonseca analisa que vivemos os reflexos da crise de 2007-2008, principalmente os países do Sul global. “Estamos vivendo uma espécie de mudança no regime de acumulação. Os entregadores representam possivelmente o mundo que está por vir”.

O mestrando considera que, desde a crise de 2007-2008, houve uma extrema concentração de renda. “Uma parcela restrita de investidores ganhou com a crise e, com isso, começaram a realizar investimentos de alto risco para dar liquidez aos investimentos. O resultado dessa dinâmica é o exército de startups que surgiram nos últimos tempos”.

Os produtores do mini-documentário mensuram que o fenômeno da precarização do trabalho está diretamente atrelado a piores condições de trabalho, como, por exemplo, viver a contradição de entregar comida e, ao mesmo tempo, conviver com a fome, ou também o drama de não saber se vai ganhar dinheiro para sobreviver no próximo mês.

“Como mostra a história, os direitos das classes trabalhadoras sempre foram conquistados por meio da luta. Portanto, o mini-documentário contribui com a análise desta condição de trabalho, assim como procura apoiar a luta. Uma sociedade com fome jamais será livre e soberana”.

Fonte: Ascom/UFPB