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Lá Li Gibi

Para gostar de ler

publicado: 27/09/2019 14h18, última modificação: 27/09/2019 14h18

Para gostar de ler

Após a experiência de trabalhar com crianças no primário, com alunos de Educação Jovens e Adultos (EJA), e estudos sobre o analfabetismo em seu mestrado e doutorado, Judy Rosas se sentiu motivada para criar propostas para intervir no cenário cultural. A primeira ação de incentivo à leitura pensada pela docente foi em sua própria casa, no interior de Alagoas. Juntamente com alunos de pedagogia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), transformou o que era apenas um imóvel fechado em uma biblioteca. Ainda não satisfeita, notou que poderia ir além.

“A biblioteca tem que expandir seus limites físicos e ir até lugares que existam pessoas não leitoras”. Dados fornecidos por Judy informam que, na Paraíba, há em média uma biblioteca para 17 mil pessoas, no Brasil há em média uma biblioteca para 33 mil habitantes. Observado os dados, temos a ideia que as bibliotecas estão sempre cheias, no entanto a realidade é o oposto. Foi em resposta a essa problemática social que surgiu o projeto de extensão da UFPB “Lá Li Gibi: biblioteca, leitura e ação cineclubista”, que desde 2014 vem disseminando incentivo à leitura, informação e cultura para leitores e não leitores.

A Ação

O maior objetivo do projeto é além de atenuar o índice de pessoas analfabetas, criar situações que construam pessoas leitoras. O nome do projeto já é um convite: Lá (em qualquer lugar) Li (flexão do verbo ler) Gibi (histórias em quadrinhos): em qualquer lugar podemos ler a partir dos gibis. As ações do projeto acontecem em diversos locais, um deles é a Escola Virginius da Gama e Melo.

A equipe do projeto enxergou em duas leis a oportunidade para entrar com a extensão no espaço escolar. A Lei N°13.006/2014 que obriga todas as escolas de educação básica públicas e privadas no Brasil passar pelo menos duas horas de filmes nacionais por mês. E a Lei N° 12.224/2010, que coloca 2020 como prazo final para que todas as escolas tenham biblioteca ou canto de leitura com exigências de ao menos um livro por aluno. Para tentar garantir a execução dessas leis, foi implantado, primeiramente na escola pública Virginius da Gama e Melo, localizada no bairro Mangabeira I, na capital paraibana, a ação cineclubista, que exibe quinzenalmente curtas metragem brasileiros.

Toda a prática é planejada com base em temáticas estabelecidas pela equipe. Como exemplificou Judy, no mês de maio é comemorado o dia da abolição da escravatura e nesse mês foi trabalhada a temática “Se a coisa tá preta, a coisa tá boa”, baseada em uma música do cantor de rap Ricon Sapiência. A escolha por essa música aconteceu para, segundo ela, discutir a realidade social da periferia e também dar elementos de identificação cultural para os estudantes. Os filmes foram todos voltados para essa temática e, como mostra a ficha avaliativa e sugestiva preenchida pelos alunos depois da sessão, o objetivo foi alcançado, as respostas estavam pedindo outras discussões sobre cultura negra, violência cometida contra o povo negro e racismo.Mas há uma condição: para obter o ingresso é necessário que, por mês, o aluno tenha feito empréstimo na biblioteca de ao menos um livro. Essa dinâmica transformou significativamente os números de empréstimos. Segundo a Coordenadora, em março desse ano, quando ainda não havia sido iniciada a ação, 74 livros haviam sido emprestados. Em abril, já com o projeto, foram emprestados 255 livros.

Lucibelle Eduarda, estudante de pedagogia e atual bolsista, se interessou pelo Lá Li Gibi a partir da atenção ao tratamento de causas sociais e pelo valor da partilha o conhecimento. "Eu como negra achei o projeto importante. Pois foi graças a amigos que me motivaram a ler que cheguei até aqui. Mais importante ainda do que ler, é repassar esse conhecimento e estimular outros jovens a leitura”, contou a discente.

O Lá Li Gibi acontece também em frente a Biblioteca Popular Riacho do Navio, parceira permanente do projeto em Piranhas – Alagoas.  Mensalmente são realizados empréstimos de livros, contação de histórias e exibição de curtas. A Biblioteca disponibiliza o acervo de histórias em quadrinhos e de obras literárias para leitura e empréstimo nos locais onde acontece a ação Lá Li Gibi.

Como a leitura pode acontecer em qualquer lugar, há uma ação do projeto em uma lanchonete de Paulista - PE. O local é uma lanchonete no bairro do Janga, que, segundo a coordenadora, é uma localidade carente culturalmente, não há cinema, teatro ou biblioteca. Mas há uma lanchonete frequentadíssima, “Lanchonete Dona Lara”, que em 30 minutos prepara uma coxinha de macaxeira maravilhosa. Certo dia, enquanto esperava, Judy pensou: “Dá para ler um gibi! ”.

Para aproveitar o tempo que normalmente as pessoas usam olhando o celular, a docente implantou o Lá Li Gibi na lanchonete. Os membros da equipe levaram a estante ambulante, que renova semanalmente seu acervo. O fato curioso é que os jovens que fazem a troca do acervo são os não leitores, um pretexto óbvio para despertar o interesse deles pela leitura. Quando a ação foi consolidada, a equipe atendeu o pedido do pessoal da lanchonete para desenvolver no espaço da lanchonete também a ação cineclubista.

O Gibi

O gibi é um convite aos olhos, suas gravuras atraem e despertam curiosidade sobre a temática em questão. Yan Hipólito, graduando de pedagogia e voluntário do projeto, enxerga na imagem um potencial para comunicação e leitura. “Nós brasileiros nos comunicamos muito pelo visual. E o gibi está aí para isso, para nos ensinar várias formas, ultrapassando as tradicionais”, disse. O incentivo do projeto para o consumo dessa arte não é meramente pela absorção do conteúdo, e sim pela possibilidade de aguçar os sentidos. Entre um quadrinho e outro há um espaço para o cérebro fazer a articulação. Observar um quadrinho isolado não se faz compreender nada, o que faz a articulação entre um quadrinho e outro é uma atividade intelectiva.

A Biblioteca

Ser leitor não é apenas decodificar signos. Escolas alfabetizam, mas deixam a desejar na formação de leitores. E criam de certa forma um ambiente hostil e de “castigo” para os alunos. Estefane Glaff, voluntária do projeto, acredita na ressignificação da biblioteca. “O papel ressignificativo da biblioteca e da democratização dela é essencial. Romper com a perspectiva de que é um espaço de castigo, que o aluno vai lá para ficar de repouso em silêncio, ou às vezes, até mesmo na própria organização do acervo escolar”, afirmou.  Diferente de um ambiente de sofrimento, o projeto tenta mostrar que a biblioteca deve ser um espaço de relaxamento e prazer.

E é assim que o Lá Li Gibi vem transformando vidas como a de Janara Griffith, que conheceu o projeto em 2016 e não se interessava pela leitura, queria apenas concluir o ensino médio. “Não acreditava que a educação mudasse realmente a realidade na qual vivia, mas após participar do projeto, me tornei uma verdadeira leitora. Foi enriquecedor, trouxe bastante interesse pela leitura, até desenvolvi muito mais no Enem por conta da disso”, relatou.

Para saber mais sobre o projeto: https://pt-br.facebook.com/laligibi

Reportagem de Gleyce Marques - Bolsista PRAC (2018)