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Ataques à imprensa agravam violência contra mulheres jornalistas

publicado: 09/06/2020 14h47, última modificação: 09/06/2020 14h47

A inserção das mulheres no mercado de trabalho traz consigo uma realidade persistente de violência em virtude do gênero. Essa violência acontece em níveis distintos a depender da área e do cargo ocupado pela mulher. No entanto, em razão do trabalho essencial desempenhado sobretudo em períodos de instabilidade política, as jornalistas estão em uma das posições mais vulneráveis.

Em 2019, um relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)  apontou que, após a eleição do presidente Jair Bolsonaro, houve um aumento de 54% no número de casos de ataques a veículos de comunicação e a jornalistas. Apesar de o relatório indicar os jornalistas do sexo masculino como a maioria das vítimas de violência em decorrência do exercício profissional, essa guinada de agressões apresenta um lado mais hostil no tratamento dados às mulheres na mesma área.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) aponta que há um “risco duplo” em ser mulher e ser jornalista, especialmente na América Latina. Essa condição se deve à violência de gênero e aos constantes ataques à liberdade de expressão. Conforme a organização, as violências a que as profissionais de imprensa estão submetidas acontecem desde o assédio sexual a barreiras de acesso para a proteção e justiça. No Brasil, episódios de ataque às mulheres jornalistas estão sendo vistos tanto na forma violência física durante a cobertura política quanto nas falas do próprio presidente da República.

Como explica a pesquisadora de gênero e professora de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Glória Rabay, os jornalistas passam a sofrer as consequências da perda de confiança da imprensa e, com isso, as mulheres tornam-se vítimas. “A expressão preconceituosa contra as mulheres se manifesta como o lado mais frágil da relação e, portanto, são elas as mais vulneráveis diante dessa descrença. As expressões vistas são de agressões físicas, de desrespeito, de negativas para dar informação e de assédio”, afirma. A professora relembra também como se tornou comum para os telespectadores assistirem a cenas de mulheres jornalistas sendo assediadas durante a realização de reportagens.

Violência normalizada dentro da dinâmica de trabalho

Outro fator que coloca as mulheres jornalistas em posição de maior vulnerabilidade é a própria estrutura das empresas de comunicação. Dentro das redações, as profissionais são vítimas de assédio, importunação sexual e outros crimes que são silenciados. Para a jornalista paraibana Andrea Batista, que trabalha na área desde 1996, essa é uma situação normalizada. “O assédio sexual nos ambientes de trabalho é algo que nós passamos. Aquele elogio que incomoda, aquele toque que não é bem-vindo. Já tive repórteres que foram cantadas, beliscadas e maltratadas por homens em cargos de poder”, relata.

Em 2017, a organização Gênero e Número e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em parceria com o Google News Lab, lançaram o estudo “Mulheres no Jornalismo Brasileiro”  A pesquisa traçou um panorama das relações de trabalho das mulheres dentro das empresas, revelando que mais de 70% das jornalistas já foram vítima de algum tipo de violência moral e/ou sexual além de ter testemunhado um comportamento similar contra uma colega de trabalho.

Para a Abraji, os ataques não só colocam em risco a integridade das jornalistas, mas também de todas as mulheres brasileiras

Tais situações de violência contra as jornalistas têm impacto significativo no desempenho laboral e, com isso, na própria cobertura da imprensa. Portanto, esses crimes devem ser denunciados. Contudo, a professora Rabay aponta a naturalização da discriminação contra as mulheres como um dos entraves para coibir esses casos. “Outro aspecto dessa dificuldade de reconhecer a discriminação é que ao perceber a minha fragilidade ou o modo como eu sou fragilizada nas relações de trabalho, isso pode significar que eu não sou apta, que eu não tenho todas as habilidades ou todos os recursos necessários para exercer aquela profissão, o que pode me dificultar ainda mais o acesso a cargos de responsabilidade, cargos de poder e melhor remunerados”, explica a docente.

Andrea Batista defende também uma campanha constante que abrace universidades, veículos de comunicação, entidades de classe e sociedade civil para a defesa e visibilidade desses crimes contra a imprensa, em especial aqueles que respaldam nas mulheres. “A ignorância das pessoas em relação ao trabalho das jornalistas é absurda e um perigo para a democracia”, conclui.

 

Ana Lívia Macêdo | Edição: Lis Lemos