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Solidão, substantivo feminino
Uma pesquisa da Sociedade de Geriatria e Gerontologia de São Paulo apontou que um dos maiores medo dos brasileiros é a solidão. Com as medidas de isolamento social para impedir a propagação do novo Coronavírus, muitas mulheres lidado com esse desafio e buscado maneiras de manter a saúde física e mental sem a companhia de familiares ou amigos. Até mesmo para aquelas que já moravam sozinhas, a sensação de solidão tem se acentuado.
Aos 20 anos, Vitória Soares nunca havia morado sozinha desde que saiu de São Paulo para estudar em João Pessoa. Há dois anos, estava acostumada a dividir um apartamento com a prima, que precisou se mudar quando a quarentena teve início. Em meio a uma pandemia mundial, Vitória teve que encarar a mudança e, sozinha, entender como se adequar ao novo cenário. “No início foi bem complicado, eu estava tendo problemas com meu sono, com minha produtividade e estava me sentindo perdida sobre como seria passar por tudo isso”, conta.
Diferentemente de Vitória, Kerolyne Stefane morava sozinha há seis anos. “Eu nunca me vi muito tempo dentro de casa a não ser para dormir”, diz. A intérprete de Libras estava acostumada com uma rotina agitada, em que conciliava o trabalho com a faculdade e não lhe sobrava tempo livre nem mesmo nos fins de semana.
No entanto, Kerolyne já se sentia sozinha pela falta de uma companhia física para conversar depois de um dia cheio de atividades. Com mais tempo em casa, a jovem percebeu a situação piorar. “Eu não imaginava a duração que teria a pandemia, por isso piorei bastante. Passei a ter sentimentos de inutilidade, perdi peso, choro quase todos os dias. Me vejo extremamente perdida”, desabafa.
Para Maria Graciete, que mora sozinha há 11 anos, a situação também tem sido difícil. Acostumada a uma rotina de trabalho, frequentar a igreja e sair com amigos, atualmente há três meses em isolamento, suas únicas saídas têm sido para o supermercado e a farmácia. “Se antes eu já me sentia só, hoje eu me sinto ainda mais. Apesar de ter sido uma escolha minha morar sozinha, antes [da pandemia] era diferente”, avalia.
Distanciamento social e a solidão
Segundo a psicóloga Mayara Almeida, o distanciamento denuncia algo que já havia na vida das pessoas, mesmo que silenciosamente. Por essa razão, esse momento pode afetar de maneira mais intensa o equilíbrio emocional, trazendo sintomas como a frustração, o tédio, a raiva, a irritabilidade e a insônia.
“No distanciamento social, a casa nem sempre se torna um local confortável”, afirma Mayara. A profissional defende a importância de manter uma rotina amena: valorizar o autocuidado, fazer exercícios físicos, aprender um novo idioma. A psicóloga também indica a terapia on-line , que pode ser acessada pelas mulheres mesmo de casa, e “não perder de vista os contatos a partir do uso da tecnologia para que estar sozinho não se torne solidão”.
Apesar de ser uma alternativa de distração recorrente, o uso das redes sociais em excesso pode ser prejudicial.Esse é um ponto defendido também pela psicóloga Mayara Almeida, que alerta para o perigo do uso excessivo da internet. “Para quem mora sozinho, [é importante] perceber que outras tarefas estão sendo feitas e essa intensidade de modo que ela não atrapalhe o bem-estar e outras atividades que venham a surgir durante o dia”, explica.
Kerolyne Stefane mantinha uma conta ativa nas redes sociais para dividir com seguidores e amigos um pouco de seu cotidiano, mas agora encontra na internet um espaço cansativo. Aos poucos, ela tenta buscar prazer em atividades que costumava praticar, como a dança. Além disso, tem tentado fazer yoga através de aulas virtuais, uma prática que sempre quis fazer, mas nunca conseguiu.
Maria Graciete, por sua vez, tem dispensado o uso em excesso e defende que “não é a mesma coisa do contato físico, do olho no olho”. Bordadeira de vestidos de noiva, Graciete tem aproveitado os momentos em que o chefe leva algum trabalho para fazer, para se distrair com a atividade manual. “Tenho também um livro de pintura para adultos que eu vou pintar. Dá pra esquecer um pouco a solidão”, reflete.
Ainda realizando atividades à distância, a estudante Vitória Soares busca manter a mente ocupada não só com as obrigações, mas também reservando um período para ler, assistir séries de TV e fazer exercícios: “No começo, eu me cobrava muita produtividade, mas depois de conversar com amigos e ver relatos de outras pessoas, eu comecei a compreender melhor sobre isso e não me cobro tanto, tento atender às demandas do estágio e das aulas sem muita pressão”.
Esperança para o pós-pandemia
A própria psicóloga Mayara Almeida tem precisado readaptar a prática profissional e entender o período de isolamento social. Ela tem mantido registros nas redes sociais buscando inspirar outras pessoas a enfrentarem esse momento: “A minha maneira de lidar com a pandemia é uma maneira que fala, porque eu escrevo, eu converso, eu reflito, eu procuro estratégias para atravessar e construir uma situação menos difícil, menos pesada”.
No caso de Kerolyne, a esperança para enfrentar os dias difíceis está na possibilidade de, em breve, poder rever seus familiares e amigos. Já para Maria Graciete, suas expectativas se depositam no seu encontro espiritual, no seu ritual de fé.
Como defende a psicóloga, é um processo de readequar a solidão e torná-la um momento de solitude em que se reconhece a necessidade de estar sozinho e poder aproveitar a experiência. “Eu estou ciente de que há uma diversidade de maneiras de lidar com isso, não estamos todos no mesmo barco, mas eu costumo valorizar uma esperança por dia”, finaliza.
Ana Lívia Macêdo | Edição: Lis Lemos