Você está aqui: Página Inicial > Contents > Notícias > O abandono paterno e a culpabilização da mulher
conteúdo

Notícias

O abandono paterno e a culpabilização da mulher

publicado: 12/08/2020 15h37, última modificação: 12/08/2020 17h18

Todo mundo conhece ou já ouviu falar de alguma mulher que cria seu filho sozinha. De acordo com dados do IBGE, em 2018, o Brasil tinha aproximadamente 11,5 milhões de mulheres que não podem contar com a presença e responsabilidade dos pais para cuidar e educar seus filhos: são as chamadas “mães solo”. 

De acordo com Instituto Locomotiva de Pesquisa e Estratégia, 57% de mães que criam os filhos sem a presença dos pais vivem abaixo da linha de pobreza. Com a pandemia causada pelo novo coronavírus, em 31% dos lares sustentados por essas mulheres já faltaram produtos de higiene e, em 35%, faltaram alimentos.

“Quando eu descobri que estava grávida a gente já não estava mais juntos, ele simplesmente disse que não ia se responsabilizar porque estávamos separados e era minha responsabilidade ter o bebê ou não”, conta a tendente de lanchonete Cibelly Lima, uma mulher negra que decidiu criar sua filha sozinha. Cibelly é a única responsável pela criação da menina, pois o pai lhe disse que seria uma decisão dela, umas vez que ele não iria estar presente na vida da criança. 

“Não tem pensão no mundo que traga a minha sanidade mental de volta”

“Eu amo minha filha, ela tem saúde, já tem sete anos e é mais fácil agora. No começo, era muito desgastante porque eu tinha que trabalhar, cuidar da casa, cuidar dela e ainda tinha os estudos que acabei largando para conseguir dar conta do que era mais importante no momento”, conta Cibelly que abriu mão de muitas oportunidades de carreira para se dedicar a maternidade. Apesar disso, ela optou por não reivindicar seus direitos e exigir judicialmente o pagamento de pensão alimentícia para a filha, pois considera ser muito desgastante emocionalmente. 

A atendente conta que sofre de alguns problemas psicológicos decorrente da tripla jornada de trabalho. “Eu tenho consciência dos meus transtornos, eu tento ao máximo não projetar isso na minha filha, mas é quase impossível, vivemos só nós duas em casa e às vezes percebo ela tendo crises nervosas, assim como eu”, relata.

O advogado Petrônio Athayde Neto explica que as mães podem requerer junto à justiça uma assistência financeira. “A mãe tem direito de pedir a pensão alimentícia para o filho até ele completar a maioridade ou até a conclusão do ensino superior. Se o pai deixar de pagar a pensão por três meses ele pode ser preso. A partir disso, todo o dinheiro que é devido pode ser descontado de propriedades, FGTS e PIS. Ou seja, nenhum bem está impedido de ser penhorado para que seja paga essa dívida”, relata.

Divisão de tarefas

A sobrecarga de trabalho não é exclusiva de mulheres que são criam sozinhas os filhos e filhas. Essa realidade atinge também aquelas que moram com seus cônjuges. Vanessa Brito e Rogério Sousa são casados há 12 anos e dessa relação tiveram três filhos. No entanto, apenas Vanessa é vista como responsável pelo cuidado e educação das crianças. Para Rogério seu dever é apenas assegurar a família financeiramente. “Eu só intervenho em alguma situação de discussão dos meninos quando eu vejo que ela não dá conta, porque Vanessa às vezes não tem pulso firme”, justifica Rogério. Vanessa afirma que já cobrou uma participação maior do companheiro, mas teve como resposta que “isso é coisa de mulher”.

Numa sociedade que permite ao homem ser apenas provedor financeiro e se eximir de outras tarefas do exercício da paternidade como educação, afeto e cuidado, fica evidente a disparidade de funções exercidas entre homens e mulheres. O advogado Athayde explica que o pai ausente afetivamente na vida da criança está sujeito a ser reivindicado judicialmente. “A assistência afetiva é cobrada mediante uma ação de indenização. Há entendimento que se houver algum problema psicológico causado pelo abandono, além da indenização o responsável deve custear os tratamentos médicos”, explica.

Segundo o advogado, a Paraíba já registra algumas indenizações por abandono afetivo. Os valores concluídos pela justiça variaram entre 15 e 50 mil reais. “Já no que diz respeito às pensões alimentícias, é bem comum no estado o progenitor descumprir a medida, o que acaba resultando em um número elevado de prisões”, conclui. Os valores a serem pagos por pensão alimentícia ou por abandono afetivo são estabelecidos pela justiça de acordo com a renda do progenitor. Caso ele não tenha condições financeiras de arcar com a pensão, a responsabilidade do o pagamento passa a ser dos avós paternos da criança.

Gleyce Marques | Edição: Lis Lemos