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"Nada mais perturbador para a misoginia que duas mulheres se amando"

publicado: 28/08/2020 16h17, última modificação: 28/08/2020 18h04

Há apenas um ano o STF votava a favor da criminalização da homofobia e transfobia, equiparando-a com a Lei de Racismo (7716/89). No entanto, as mulheres lésbicas sofrem de uma violência específica: lesbofobia. O termo é utilizado para descrever todo tipo de violência, seja física, moral, psicológica, patrimonial ou sexual contra elas, partindo do entendimento de que a homofobia, nesse caso, anda de mãos dadas com o sexismo.

Para mulheres que amam outras mulheres, o próprio existir é um desafio a ser vencido todos os dias, seja andando de mãos dadas com a companheira, exigindo mais atenção para sua saúde sexual ou até mesmo no próprio reconhecimento de seu relacionamento como legítimo. Agosto é o mês da Visibilidade Lésbica, um período importante para ecoar as vozes de mulheres que não estão sendo vistas ou escutadas.

A estudante, Maria Rita Xandú, tem na família vários exemplos da falta de legitimação dos relacionamentos lésbicos. Quando a estudante apresentou uma mulher, com a qual tinha um relacionamento afetivo, ela não foi tratada da mesma forma que o homem que apresentou para sua família. A mãe perguntava o porquê dele não ir aos domingos para almoçar, enquanto para as mulheres nunca houve essa preocupação.

“Acredito que a maior dificuldade é o apagamento, o quanto nos invisibilizam e anulam nossos relacionamentos. Por exemplo, o namorado do meu primo gay, é chamado de namorado pelos familiares. Já a namorada da minha prima lésbica, é chamada de "amiga" e nenhuma das moças que trouxe em casa foram chamadas de namorada. É lesbofobia e um apagamento muito específico. Não há nada mais perturbador para a misoginia do que duas mulheres se amando”, relata Maria Rita.

No Brasil, em 2019, uma pessoa LGBTQIA+ morreu a cada 26 horas. Foram 329 vítimas ao todo, 297 homicídios e 32 suicídios, todos causados por homofobia ou transfobia, segundo relatório do Grupo Gay da Bahia

O assédio, a objetificação e, em casos mais extremos, o estupro corretivo, são exemplos de violências muito específicas sofridas pelas mulheres lésbicas. Para a estudante de Jornalismo da UFPB, Heloísa Holanda, os dois primeiros são sempre muito escancarados no seu cotidiano e de sua namorada.

“Constantemente aparecem homens mandando mensagens desconfortáveis para mim no Instagram. Quando eu saio com a minha namorada eu noto os olhares analisando qualquer demonstração de afeto que a gente tenha. Quando eu ando com ela de mãos dadas na rua, a gente sempre escuta alguma gracinha”, afirma a estudante, que não reage aos assédios pelo medo da violência. 

Essas violações podem começar muito cedo e a escola pode ser um espaço para que a lesbofobia aconteça. A também estudante de Jornalismo, Mikaely Rocha, conta que a primeira vez que usaram sua sexualidade para ofendê-la e constrangê-la foi no ensino médio. Um colega falou com conotação sexual de sua sexualidade na frente de outros colegas e professores. “Essas situações são um mix de humilhação e intimidação. Ainda mais quando vem de um homem!”, indigna-se Mikaely. Isso impactou de forma negativa em sua vida, mas segundo a estudante, ela está buscando ressignificar tudo.

Para Maria Rita, mesmo as violências mais sutis constrangem e ferem sua liberdade. Ela relata que há cerca de 8 meses passeava em um shopping de João Pessoa de mãos dadas com outra garota e um grupo de rapazes passou olhando de maneira constrangedora para ambas. Quando elas estavam indo embora, eles deram as mãos e andaram de um jeito “feminino”, ridicularizando elas. “Felizmente não aconteceu nada além disso, mas essas coisas ficam marcadas na nossa cabeça”, conta a estudante.

Saúde

A vivência da sexualidade das mulheres lésbicas é tratada como tabu até mesmo nos consultórios médicos. Um problema enfrentado por elas é a falta de informações sobre sua saúde sexual e prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). A falta de traquejo e ignorância de profissionais da saúde assustam as mulheres que buscam informações e atendimento ginecológico.

“Acho que falta atenção para as nossas demandas na saúde. Não se fala sobre prevenção a ISTs em mulheres lésbicas, não temos nenhum tipo de preservativo destinado a nós no mercado. Além de se sentir desconfortável em um consultório de ginecologista, com medo de questionarem nossa sexualidade porque acreditam que ela não é válida por não ter a presença de um homem”, protesta Maria Rita.

O Mês da Visibilidade Lésbica busca dar vazão a essas violações, mas também mostrar que mulheres lésbicas existem e que não estão sozinhas. Ter vozes ecoando essa realidade é representativo, confortante, promove o combate ao preconceito e quebra estigmas. Heloísa, Maria Rita e Mikaely existem.

 

Grace Vasconcelos | Edição: Lis Lemos