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Junto a países conservadores, Brasil assina declaração contra o aborto e a favor da família

publicado: 12/11/2020 09h40, última modificação: 12/11/2020 09h40

Em 22 de outubro último, o Brasil assinou a Declaração de Consenso de Genebra, na companhia de países como Arábia Saudita, Hungria e Balarus. O documento se compromete a “melhorar e garantir o acesso das mulheres na saúde e no desenvolvimento, especialmente na saúde sexual e reprodutiva”. Entretanto, o direito ao aborto não foi incluído e a declaração também sai em defesa de uma família heterossexual, na qual a mulher desempenharia um papel fundamental. 

As brasileiras possuem o direito ao aborto em casos de risco de vida da gestante, de gravidez decorrente de estupro ou quando o feto é anencéfalo. A mulher pode pode ser atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para realizar o procedimento em qualquer das situações. Apesar do país ter assinado a Declaração de Genebra, isso não tem o poder de mudar a legislação, mas o documento é significativo.

A professora de Relações Internacionais e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mónica Salomón, explica que uma estratégia utilizada pelo movimento feminista nacional e de outras nações é a de exigir um posicionamento internacional do país alinhado com suas reivindicações. A partir disso, as mulheres podem exigir que esse compromisso seja internalizado na legislação e políticas domésticas. 

Entretanto, essa mesma estratégia pode ser utilizada pelos grupos conservadores anti-aborto. “O atual reposicionamento do governo e da diplomacia brasileira, não apenas pode influir limitando o avanço ao reconhecimento do pleno direito das mulheres de fazerem suas próprias escolhas sobre o seu corpo e gravidez, mas também poderia impulsionar retrocessos”, explica a pesquisadora. 

A política externa do Brasil e o direito ao aborto 

A Declaração de Consenso de Genebra foi assinada por outros 31 países. Entre eles, nações conhecidas pelo autoritarismo e conservadorismo, como os Estados Unidos, a Arábia Saudita, o Egito e a Polônia, demonstrando alinhamento ideológico com todos os países que assinam a declaração. Segundo Mónica, o país faz parte de uma “internacional conservadora”.

A Polônia e os EUA atacaram recentemente o direito ao aborto, mas apenas a primeira conseguiu suprimir esse direito nos casos de malformação fetal. Cinco dias após a assinatura da declaração, Jair Bolsonaro assinou um decreto de Estratégia Federal de Desenvolvimento do país entre 2020 e 2031, no qual busca promover o direito à vida desde a concepção e apoiando a noção de “direito do nascituro”. 

Segundo Mónica, o “atual governo usa a política externa em benefício próprio, com um discurso dirigido apenas a seus eleitores”. Mónica explica ainda que esses alinhamentos não são necessariamente benéficos ao país, pois a relação com os EUA é “profundamente assimétrica”, ou seja, não trouxe nenhum benefício material ao Brasil.

Para ela, desde a chegada de Bolsonaro à presidência, houve uma quebra abrupta na trajetória de democratização dos direitos humanos no Brasil. “O posicionamento internacional brasileiro sobre direitos das mulheres tinha sido definido em linha com os posicionamentos dos movimentos feministas nacional e transnacional. Mas após a chegada do Bolsonaro ao governo, os representantes diplomáticos brasileiros passaram a reinterpretar o conceito de "gênero" nos fóruns internacionais, esclarecendo que, para o Brasil, "gênero" é como sinônimo de "sexo biológico", explica Mónica Salomón.

Para a pesquisadora, o Brasil sofre uma escalada de duros ataques aos direitos humanos e sofre mudanças no seu posicionamento internacional. Além disso, ela avalia que o país deixou de seguir uma linha progressista, de defensor dos direitos humanos  e também deixa de reconhecer que os papéis e as hierarquias de gênero são socialmente construídos, atacando a noção de direitos sexuais e reprodutivos.

Grace Vasconcelos | Edição: Lis Lemos