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Grafitti é ferramenta de comunicação e posicionamento para mulheres

publicado: 30/12/2020 15h51, última modificação: 30/12/2020 15h51

Há quem ache bonito e outros que acreditam deixar a cidade suja, mas o grafite ou grafitti é entendido como uma forma de comunicação para tantos outros. Esse tipo de arte é um dos quatro pilares do movimento do hip-hop no qual os artistas fazem intervenções urbanas através da pintura. Como a maioria das culturas que surge na periferia, o grafite segue sendo um meio de enaltecer vozes oprimidas.

Diversas artistas paraibanas usam dessa ferramenta para ecoar seus posicionamentos, sentimentos, inquietudes, militâncias e egos. Taynha é uma delas. Iniciada nas artes em 2007 como uma brincadeira de adolescente, atualmente, aos 29 anos é grafiteira profissional. Nas suas artes o imaginário do “ser mulher” ganha destaque. “Meu trabalho traz em evidências construções imagéticas de mulheres, então é nelas que me inspiro. Ultimamente vem sendo fortalecida uma ligação com a natureza, formas orgânicas e cores. Talvez eu já me encontre em outro processo artístico, mas sempre tento respeitar e vivenciar o que preciso para desenvolver meu trabalho”, discorre a artista sobre seu processo criativo.

Produzir arte urbana não é tarefa fácil para as mulheres, uma vez que a rua é um dos espaços onde as mulheres mais sofrem importunação, assédio e outras violências. Taynha acredita na rua como um ambiente democrático para se  manifestar apesar das adversidades. “Para nós mulheres, sempre foi uma luta conquistar espaços públicos e não estamos protegidas ao andar numa rua sozinha. Acho qualquer mulher que se arrisca em ocupar espaços públicos em nome da arte corajosa ao cubo. Então sim, realçamos lutas feministas ocupando os espaços urbanos com a arte”, defende. 

O picho é uma forma de intervenção urbana criminalizada e na maior parte das vezes tem relação marcação de território e resistência. Quando as engrenagens do sistema capitalista apertam, elas saem nas ruas, pichando os muros e demonstrando que estão vivas e resistindo. Uma delas é a grafiteira Maga, integrante do grupo PDA. Criada em Mandacarú e outras comunidades vizinhas teve acesso a vários tipos de artes, mas só produziu intervenções quando teve contato com outras estudantes da UFPB, onde estudava psicologia. “Comecei a me relacionar com pessoas de movimento negro, LGBTQIA+, feministas e durante a minha graduação participei de algumas intervenções pela descriminalização do aborto. Nesse momento que comecei a produzir efetivamente”, conta.

A correria de andar a pé, de bicicleta ou de ônibus fez com que Maga se tornasse íntima das ruas e a tornasse um diário para desabafar frustrações. “A gente pode se colocar nas estruturas da cidade, já que ela por si só ergue suas estruturas sem perguntar nem pedir permissão a ninguém. Quanto mais o sistema vai contra a gente mais a gente se coloca nas ruas nossa existência”, reflete a grafiteira. 

Atualmente, aos 26 anos, recém-formada em psicologia, destaca a importância das mulheres estarem ocupando as artes urbanas. “No picho não tem um jeito certo ou errado, você tem que ser única e ter compromisso com a rua. A gente tem que se cuidar, até porque passamos por diversas situações, mas buscamos nos fortalecer umas com as outras”.

A maternidade é o que tem inspirado a artista paraibana DayBlue. Em suas obras são destacadas a relação com o seu filho e a mulheridade. “Todas as minhas artes estão voltadas para o feminino, de como ele pode ser diverso e ser forte em todos os sentidos. As nossas diferenças é o que nos torna unicamente fortes”,

A artista teve seu primeiro contato com grafite em 2014, através de uma oficina, mas até hoje não consegue viver apenas da arte. “Acho que o sonho de todo artista é viver daquilo que ama, mas na nossa sociedade ainda é muito difícil. O nosso estado comparado com os demais tem um retrocesso muito grande, é preciso mudar nossa visão artística e aprendermos mais a consumir arte ”, defende.

A parede foi mais uma superfície para Nicotinta, que começou desenhando em papeis,  mas percebeu que a sua arte não cabia mais numa folha de A4. Foi nesse momento que começou a fazer intervenções; primeiro em banheiros pois o julgamento da rua lhe intimidava e só depois se sentiu mais confortável para pintar nos muros. “Na rua existem outras interações, as pessoas acabam interagindo na sua arte"

No começo, ela conta que o processo criativo era bem intuitivo, mas agora está com uma narrativa mais política. “Meu trabalho sempre foi muito relacionado a gênero, mas recentemente tenho buscado introduzir sexualidade, corpo, montagem e memória. A partir do momento que eu me entendi como uma pessoa que transita entre gêneros e desrespeita as fórmulas prontas, isso se tornou um gatilho para minha criação, que considero fora da feminilidade e masculinidade normativa.”

A arte para Nicotinta é uma possibilidade de fugir da realidade e proporcionar transformações. “Eu penso minha arte para que fuja da realidade cis, hétero, branca, para realçar novas imagens e novos sentidos. Acredito que criar essas memórias é uma ferramenta para naturalizar e mudar as coisas que a gente não gosta no mundo”, diz.

As artistas têm vivências diferentes do que é e o que significa o movimento do grafite para si, mas essa é a autenticidade do movimento: mostrar a pluralidade das vozes e diferentes mundos. A arte urbana questiona noções do privado e público, de classe, de poder, basta um olhar atento para as ruas que é fácil entender o que a rua quer falar.

 

Gleyce Marques | Edição: Lis Lemos